Papo de Mãe

Meu filho tem autismo. E agora?

Roberta Manreza Publicado em 02/04/2018, às 00h00 - Atualizado às 09h36

Imagem Meu filho tem autismo. E agora?
2 de abril de 2018


Por Leonardo Maranhão*, psiquiatra

Ninguém quer ter um filho com alguma limitação, seja ela cognitiva ou física/motora. Durante a gravidez, os pais idealizam uma criança saudável, imaginam o vigor, a energia e pensam até como será o futuro.

Efetivamente, não estamos preparados para escutar que nosso filho tem desafios bem diferentes do que os pensados e, quando se trata de autismo, a história não é tão diferente. Como esse espectro não pode ser diagnosticado durante a gravidez (essa é uma grande busca da ciência, ainda sem resultados), acostumamo-nos à ideia de que tudo vai bem com o seu desenvolvimento e, muitas vezes, nos surpreendemos com a velocidade com que eles começam a falar, dão os primeiros passos… De repente, tudo isso é interrompido. Passamos a estranhar o fato da criança não buscar o nosso olhar quando a chamamos e observamos que seu vocabulário é bem limitado e não se desenvolve.

Procuramos de início o pediatra, que, se dermos sorte, reconhecerá parte dos sintomas e encaminhará para um neurologista/psiquiatra/psicólogo. Depois de uma bateria de perguntas, de observações, de conversas com familiares, professores, pedagogos e colegas, muitas vezes ainda na creche (berçário), surge o diagnóstico que tira muita gente do chão: “Seu filho é autista”. No outro extremo dessa moeda, estão casos de pessoas que só foram diagnosticadas com mais de 20 ou 30 anos – no meu livro A Vida com… Autismo, conto a história de uma família de Brasília que só teve a confirmação do diagnóstico quando o portador do Transtorno do Espectro Autista (TEA) tinha 27 anos; hoje, ele tem 43.

Sem mais nem menos, parece que tudo que imaginamos para o futuro do nosso filho escapou, evaporou ou ruiu… As reações vão do choro desconsolado à revolta e à negação. A esperança, em alguns casos, passa por novas consultas em busca de um diagnóstico “mais leve”.

É preciso compreender a dimensão dos dois lados: o primeiro envolve a dificuldade dos médicos ao diagnosticar o autismo; o segundo, a ‘barra’ que os pais encaram para aceitá-lo. Sou psiquiatra e pai de quatro meninos, um deles (Angelo, 8 anos) é portador de Síndrome de Asperger.

Em boa parte da minha carreira, atuei no tratamento de dependentes químicos. Apesar de ter tido, ainda na faculdade, algum contato com o autismo como tema de estudo, não cheguei a me aprofundar no assunto e a imagem que tinha de um portador era limitada a uma criança que se balançava repetidamente, tinha dificuldades para se expressar e precisava de atendimento multidisciplinar, quando as alterações comportamentais fossem de irritabilidade, agressividade e a hiperatividade. Claro que essa imagem foi se dissolvendo naturalmente, até porque ela embute estereótipos que são, em última instância, preconceitos. O nascimento do meu terceiro filho foi um grande divisor de águas na minha vida.

Desde o início, ele já se mostrava uma criança bem diferente das demais, uma vez que tinha uma percepção muito peculiar do mundo, seu olhar divagava no ambiente de forma aleatória quando o chamávamos. Ele ainda selecionava muito os alimentos (paladar bem diferenciado) e tinha um aprendizado àquela altura abaixo do esperado. Ao observar tudo isso no dia a dia e a par das etapas de neurodesenvolvimento infantil, a apreensão, a aflição e a angústia também tomaram conta do meu coração e eu me via no papel daqueles pais que só queriam que o diagnóstico não fosse aquele… A principal dúvida que me atormentava era se tudo isso se devia “apenas” a um atraso ou a algum transtorno neurológico. Para tentar entender o que se passava com meu filho, eu fiz de tudo. Mergulhei a fundo em infinitas leituras, fui a diversos congressos e fiz cursos para conhecer a realidade do autismo além da prática da faculdade.

Angelo tinha pouco mais de um ano quando chegamos à conclusão de que não se tratava de um atraso intelectual, mas sim um traço do espectro autista. Meu conhecimento técnico me ajudou pouco a enfrentar o caminho do “luto”, que, no meu caso, durou meses e só terminou quando entendi que o meu filho amado é principalmente meu filho real.

A fantasia e a idealização de uma criança com muitas qualidades vêm da projeção de nossas vontades e desejos. Ter a consciência que seu filho é um ser humano com qualidades e deficiências, como qualquer pessoa, ajuda a aliviar o peso deste período de pós diagnóstico, embora seja uma tarefa bastante árdua sobretudo porque até inconscientemente o diagnóstico tende a reforçar o nosso lado super protetor, como se a gente nos dissesse o tempo todo que aquele filho precisa mais da gente do que a gente imaginava.

É claro que, no início, lidar com o transtorno não foi nada fácil. Por ser um bebê, pensei que conseguiria, com tempo, determinação e inúmeras tentativas vencer as dificuldades do cotidiano, entretanto, ao constatar que todo esforço não tinha resultados satisfatórios, que a força causava maior irritabilidade e mal-estar familiar, mudei a estratégia e voltei à estaca zero, dando início à fase de observação detalhada, e constatei que era melhor adaptar a família às rotinas do pequeno no primeiro momento, para, com o tempo, empreender pequenas mudanças, oferecendo por exemplo alimentos diferentes. Foi a partir daí que as primeiras vitórias surgiram, de forma lenta e gradual.

No decorrer desses 8 anos, aprendi muito, aprendi a reconhecer seus gostos e preferências, a respeitar seu tempo, a acrescentar com ensinamentos a importância do autocuidado, a dirigir sua atenção para o interlocutor nas interações interpessoais e a ressaltar que os hábitos diários são importantes, porém podem ser mais flexíveis, uma vez que as prioridades e desejos não são fixos e imutáveis.

Hoje compreendo, não apenas como médico, mas como pai, os desafios de quem convive com portadores de TEA: os custos, a compreensão dos melhores medicamentos para cada caso (o ajuste de medicamentos varia demais), a dificuldade para ter acesso a um bom sistema educacional, até a quebra das relações sociais da família. Na vida, como todo mundo sabe bem, toda vitória vem precedida de batalhas e, apesar de ser um clichê, essa máxima vale muito no dia a dia do relacionamento familiar com uma criança autista.

Hoje sei que o diagnóstico não limita uma pessoa e não é uma sentença. Aceitar o autismo é dar à criança possibilidades dela se desenvolver da melhor forma possível e esse é um dos grandes modos de amar que os pais devem sentir e priorizar.

*Leonardo Maranhão é diretor da Clínica Médica Assis, psiquiatra e escritor.

Autor de “A Vida com… Autismo”, lançado em julho deste ano.

http://www.leonardomaranhao.blog.br




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