Papo de Mãe

Mariana Kotscho: um papo de consciência

Roberta Manreza Publicado em 21/07/2015, às 00h00 - Atualizado às 11h08

Imagem Mariana Kotscho: um papo de consciência
21 de julho de 2015


Fernando Coelho – Jornal Movimento

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Mariana Kotscho. Foto: Divulgação

Mariana Kotscho e Roberta Manreza apresentam todos os domingos, três e meia da tarde, o programa Papo de Mãe, exibido pela Tv Brasil. Há muito que valores são nivelados pela extrema baixaria na televisão. Afirme-se a ausência total de consideração humana, valendo tão somente mais o ridículo do que a naturalidade. As pessoas, os próprios personagens e o espectador, submetem-se, porque o país está anestesiado com relação a critérios, seriedade e o entretenimento que não melhora de qualidade. Há seis anos no ar, o Papo de Mãe já apresentou 300 temas, todos de extrema relevância para as casas, os lares, as famílias, as pessoas que querem amar os seus, prestando um serviço de qualidade para a sociedade. Repórter, experiente na vida dura das ruas, nesta entrevista Mariana mostra por que o Papo de Mãe, a cada dia, ganha mais admiradores.

Quando você criou a receita do Papo de Mãe, onde estava a sua certeza no sucesso do programa?

Acho que quando surge uma ideia, você não pensa exatamente no sucesso. O que me ocorreu é que não tinha nada parecido na TV brasileira e eu poderia juntar minha experiência como jornalista com a experiência como mãe pra ajudar outras famílias. Eu acreditava no projeto e fiz outras pessoas acreditarem comigo, trabalharem com vontade e amor. Talvez a receita seja mesmo acreditar em algo e se dedicar a isso. O sucesso (ou não) vem como consequência do trabalho que é feito.

Você fez a sua carreira na Imprensa como repórter. O que trouxe da tensão das ruas como experiência para o programa?

Ser repórter de rua durante 15 anos me fez conhecer de verdade a realidade dos lares e das famílias brasileiras – da favela às grandes mansões, do sertão aos centros urbanos. Ter esta noção de realidades tão diferentes dentro do nosso país me ajudou a aprender a conversar com cada uma dessas mães e cada um desses pais. A entender as necessidades deles, a saber que todos merecem ter informação de qualidade para saber seus direitos, que todos devem ser tratados – sempre – com o mesmo respeito. A diferença, agora, é que, com o programa, em vez de eu ir até a casa das pessoas, eu as levo para o estúdio do Papo de Mãe. Para contarem suas histórias, dividirem suas angústias – para aprender e para nos ensinar também.

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Mariana Kotscho e Roberta Manreza. Foto: Divulgação

O Papo de Mãe tem aberto as pautas para os temas polêmicos vividos pelas famílias, pelo conjunto da sociedade. Qual é a reação dos convidados e mesmo do público diante desta discussão?

Nossa equipe acredita na televisão com uma função social, como prestadora de serviços. Por isso temos que tratar de todos os assuntos: dos mais leves aos mais pesados, dos mais alegres aos mais tristes. É preciso também tocar nas feridas – porque a vida real é assim. Porque a vida real não é apenas a foto feliz postada nas redes sociais. Ela é feita de momentos difíceis também, e é preciso falar sobre eles para que todos se sintam seres humanos normais. Também acreditamos que ao falar de assuntos pouco (ou mal) explorados, podemos ajudar a derrubar preconceitos. Os convidados e os telespectadores se sentem acolhidos. Quem assiste costuma dizer que se sente como se estivesse participando do papo ali dentro da sala do nosso estúdio. E o programa vai além, cria um vínculo com todos através do site e das redes sociais. Vira uma grande troca de experiências em que todos saem ganhando. Mostramos que é possível tratar de assuntos densos sem ser de um jeito apelativo. Estamos numa emissora pública, temos um dever ali. Nossa preocupação não é com índices de audiência, é em fazer bem feito. Nosso maior retorno está nas mensagens que recebemos dos telespectadores de todo o Brasil nos contando como o programa ajuda e é importante para a vida deles.

O Brasil vive um conflito de idéias, de crise política e de avaliação do seu desenvolvimento social, e nós, jornalistas, sempre no miolo das questões. Como você enxerga o comportamento da Imprensa num Brasil que precisa encontrar o seu caminho?

Enquanto vaidade, poder e interesses pessoais/políticos estiverem à frente de tudo não há caminho. Isso é desviar do caminho. Eu ainda acredito na imprensa com o papel de informar, de formar cidadãos que pensem (e não que sejam manipulados), de prestar serviços para a sociedade, de denunciar o que está errado, de mostrar o que há de bom. Mas pra isso é preciso haver responsabilidade. Aliás, duas palavras de que gosto muito são: responsabilidade e respeito. Acho que as duas coisas estão faltando hoje no nosso país. Costumo dizer também que hoje a humanidade está dividida em duas partes: uma formada por humanos, e outra por desumanos. Acho também que é preciso haver cautela com o que se coloca nas redes sociais. Fica tudo muito rápido e leviano, as informações se propagam e se confundem com a própria imprensa. Imprensa, esta, que precisa reencontrar seu papel e seu caminho.

Talvez o nosso maior e mais cruel problema seja uma antiga falta de investimentos em Educação básica. O Papo de Mãe é um programa educativo. O que pensa sobre a fragilidade educacional em nosso país, Mariana? O que é possível ser feito?

Sim, falta investimento em Educação. E o pouco que tem, muitas vezes nem chega ao destino final. Fiz diversas reportagens pelo interior no nosso país mostrando desvio de verbas destinadas à educação. Escolas sem carteira, sem lousa, sem professor, até sem sala. Nunca me esqueço de uma professora no interior do Ceará que dava aula para as crianças com uma lousa pendurada numa árvore. As crianças sentadas no chão de terra, todas ávidas por aprender. Educar é dar ao outro o direito de saber dos seus direitos para poder ir à luta, reivindicar, crescer, conquistar. No fundo todos sabem o que precisa ser feito. Já tivemos Paulo Freire, Rubem Alves e outros para lutar por isso. O que falta é mesmo vontade política, é vergonha na cara pra fazer o que tem que ser feito. O que a gente faz no Papo de Mãe é só uma gotinha no oceano. É levar informação, pra que munida disso a população possa lutar. O programa já mostrou muitas histórias de pais que brigam por um mundo melhor para seus filhos e isso acaba inspirando outros pais também. Como dizia Paulo Freire, Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”.

Em sua opinião, o que mais falta para as crianças brasileiras?

Percebo, em geral, os pais muito preocupados em acertar, em dar amor, em fazer o seu melhor. Fico feliz em ver essa busca dos pais por informação, por fazer valer seus direitos e os direitos dos seus filhos. Mas é muito sofrido ver, por exemplo, a saga de pais e mães quando um filho tem um problema de saúde e depende do serviço público. Salvo raras exceções, a maioria ainda conta mesmo é com a sorte. As crianças deficientes são as mais esquecidas. Não há transporte, não há atendimento médico de qualidade, não há escola preparada para recebê-las. Essa é uma questão muito, muito triste. Tinha que ter uma atenção maior. E tem um dado importante: com o avanço da medicina, bebês prematuros, por exemplo, que antes nem sobreviviam, hoje sobrevivem – mas muitos sobrevivem com sequelas graves, com deficiências. E a sociedade não está preparada pra conviver com estas crianças nem com as que têm deficiências por outros motivos. Para todas as crianças, o que falta é olhar pra elas com mais amor. Não o amor das famílias, este elas tem, é o amor que vem de fora, o cuidado com a saúde, a educação e o desenvolvimento delas. Principalmente das que são pobres e deficientes.

O mundo está violento, fragilizado, acossado pela violência. A idéia do amor, o discernimento sobre o amor, pode influenciar no caminho para uma sociedade melhor, quando o que as pessoas mais pensam é na materialidade da vida e no consumo de bens?

Sim, sem dúvida. Com a banalização da vida, banalizaram também o sentido amplo da palavra amor. E isso precisa ser resgatado. Me espanta notar que antigamente alguém era admirado simplesmente pelo que “era”: uma pessoa honesta, trabalhadora, digna. Hoje, as pessoas são mais admiradas pelo que “têm” (seja lá o que fizeram ou por cima de quem passaram para “ter”). Quando o “ter” passa a ser mais importante do que o “ser”, a vida se perde. Será este um caminho sem volta? Não sei. Cabe a nós, como pais, tentar reverter isso passando valores para os nossos filhos. Volto aqui às palavras respeito e responsabilidade.O respeito ao outro, às escolhas do outro. A responsabilidade sobre suas atitudes. Vejo muita gente preocupada em ganhar dinheiro, mas trabalhar mesmo não quer. Basta ver nossos políticos. Mas quem tem que dar exemplo pros nossos filhos somos nós….A violência que vivemos hoje no Brasil me assusta demais. Assaltos, assassinatos. Já conversamos no programa com mães que perderam seus filhos pra violência, que foram assassinados. E já conversamos também com as mães dos criminosos, dos que mataram. São mães, todas sofrem. Pra esta violência generalizada não vejo solução a curto prazo.

Claro que não posso deixar de lembrar que o seu pai, Ricardo Kotscho, é um dos nossos melhores jornalistas, um dos lutadores pela independência dos profissionais. Como é que você lida com este fato? O que falta, em sua opinião, para que a nossa categoria nunca perca a sua finalidade diante dos fatos e nem seja tão contestada?

Acredito no jornalismo como vocação. Com meu pai aprendi que esta não é uma profissão, mas uma opção de vida. Poucos a exercem desta maneira. Infelizmente a vaidade, a arrogância e o poder se misturam, é quando surge um outro tipo de profissional, aquele que se acha até mais importante do que a notícia – precisa aparecer mais do que ela. Hoje em dia com a internet, os jornalistas podem criar blogs independentes, mas isso não sustenta ninguém. (Há o risco também do surgimento dos que se dizem “jornalistas”. Gente sem história e sem credibilidade nenhuma que acaba ganhando espaço.) Para sobreviver, ainda dependemos do emprego na grande imprensa. Desde sempre os donos tiveram seus interesses próprios, mas até na época da ditadura seus empregados conseguiam denunciar, exercer seu trabalho. Hoje, que não vivemos numa ditadura, parece que os profissionais já não se importam em lutar pelo que acreditam, por reportagens capazes de mudar a vida de alguém, de algum grupo ou do próprio país. Fica tudo muito acomodado, individualista. Quando não havia liberdade parece que não havia medo. Agora que há liberdade, ninguém se arrisca. Fica difícil entender.

Fernando Coelho é poeta e jornalista
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