Papo de Mãe

Por que bebês de várias partes do mundo estão dormindo em caixas de papelão?

Roberta Manreza Publicado em 05/04/2016, às 00h00 - Atualizado às 08h27

Imagem Por que bebês de várias partes do mundo estão dormindo em caixas de papelão?
5 de abril de 2016


Baby Box

 Há 75 anos, grávidas recebem gratuitamente caixas do governo finlandês.

Uma tradição que remonta à década de 1930 é considerada crucial para que a Finlândia tenha uma das taxas de mortalidade infantil mais baixas do mundo: cada mãe, independentemente de sua origem, recebe gratuitamente uma caixa de papelão com presentes para seu bebê.

Ela contém produtos muito úteis para as primeiras semanas de vida do recém-nascido. Há roupas, inclusive um pijama para protegê-lo do inclemente frio do inverno, um gorro, alguns sapatinhos (tudo em cores neutras), além de fraldas, babadores, produtos de banho, toalhas e um álbum fotográfico – e a própria caixa pode ser usado como o primeiro berço, pois vem com um pequeno colchão.

Há três anos, uma reportagem da BBC sobre as caixas de papelão foi lida por milhões de pessoas e tornou-se viral na internet. E, agora, a ideia finlandesa está se disseminando no mundo, do México ao sul da Ásia, passando por países como África do Sul, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá.

Em 2014, três pais finlandeses criaram uma empresa para distribuir estas caixas para clientes em diferentes países. Duas americanas fizeram o mesmo. E existe uma empresa similar no Reino Unido.

E, em agosto do ano passado, o governo da Cidade do México colocou em prática o projeto “Cunas CDMX” (cunas significa “berço” em espanhol), inspirado no modelo finlandês. Seu objetivo era atingir 10 mil mães e acompanhar a gravidez daquelas com menos recursos financeiros para combater a mortalidade infantil.

“Buscamos gerar uma maior proteção para os bebês na Cidade do México, principalmente os que vivem na pobreza”, diz Gamaliel Martínez Pachecho, diretor-geral dos Sistema para Desenvolvimento Integral da Família da capital mexicana, departamento encarregado do projeto.

Controle pré-natal

Em 2014, três pais finlandeses criaram a empresa Finnish Baby Box Company

Como a ideia é bastante simples e aparentemente eficaz, muitos outros profissionais de saúde e empreendedores sociais também querem desenvolvê-la e adaptá-la.

Com frequência, os produtos incluídos na caixa e a forma como ela é distribuída são adequados para problemas locais: desde prevenir infecções até tirar a criança da cama dos pais, onde há um risco de sofrerem asfixia.

Dois empreendedores sul-africanos – Ernst Hertzog, da organização Action Hero Ventures, e o executivo de marketing Frans de Villiers – concluíram, por exemplo, que uma caixa de plástico, que pudesse ser usada como banheira e não tanto como cama, era mais útil para as mães de seu país.

Mas seu objetivo principal ainda é, inclusive na Finlândia, incentivar as mães a comparecer às consultas de controle pré-natal.

De fato, um projeto-piloto realizado pela Universidade de Stellenbosch no ano passado descobriu que, na África do Sul, a caixa Thula Baba aumentava a frequência das mães nos exames pré-natais.

Thula Baba

Caixa foi adaptada para a realidade da África do Sul

Esses controles reduzem, por exemplo, o risco de que uma mãe com HIV morra durante o parto e reduz as possibilidades de que o vírus seja transmitido para o bebê. De Villiers e Hertzog querem agora que o projeto seja ampliado e que um dia se torne um programa nacional.

“A caixa finlandesa foi um exemplo de design que mudou um país. Esperamos que, fazendo alguns ajustes, nosso produto tenha o mesmo impacto”, diz Hertzog.

Por sua vez, uma estudante de doutorado da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, teve a ideia de adotar a caixa finlandesa para o sul da Ásia.

Karima Ladhani desenvolveu o projeto “Barakat Bundle” (barakat significa “benção” em alguns idiomas da região), que entrou em vigor em um hospital rural da Índia. A caixa tem ferramentas para prevenir infecções durante o parto ou pouco depois de se dar à luz e também inclui um mosquiteiro para proteger os bebês da malária.

“Queremos oferecer às novas mães soluções de baixo custo para salvar vidas ao combater as causas evitáveis de mortalidade infantil e materna”, afirma Ladhani.

BBC

Programa na Ìndia incluiu mosquiteiro dentre os itens da caixa.

No mesmo quarto

A caixa finlandesa não foi replicada apenas em países em desenvolvimento, onde a mortalidade infantil é preocupante. Um projeto-piloto está sendo lançado no hospital Queen Charlotte’s and Chelsea, em Londres, no Reino Unido, em colaboração com a empresa americana Baby Box.

Cerca de 600 caixas serão dadas a mulheres que derem à luz neste hospital nos próximos meses. “Partimos do pressuposto de que as pessoas têm dinheiro para comprar um moisés ou um berço, mas nem sempre é o caso”, diz a ginecologista Karen Joash, conselheira obstetrícia do programa.

Ela considera que a caixa também fará com que mães e bebês fiquem no mesmo quarto, já que elas são fáceis de carregar. “Isso é bom para estreitar sua ligação.”

Criada em 2015, empresa britânica foi inspirada em matéria da BBC

Há dezenas de projetos sendo desenvolvidos nos Estados Unidos. O maior será lançado neste ano em Fort Worth, no Estado do Texas, quando quatro hospitais da cidade começarão a entregar as caixas para reduzir a alta taxa de mortalidade local, de 71 a cada 1 mil nascimentos em 2013, acima da média nacional de 59 a cada 1 mil.

A previsão é que sejam entregues cerca de 36 mil caixas nos próximos dois anos. O objetivo é incentivar os pais a não dormir com os bebês na mesma cama.

“A comunidade não estava consciente de que a mortalidade infantil era um grande problema aqui”, afirma Dyann Daley, porta-voz do hospital Cook Children’s. “Ao entregar uma caixa a cada nascimento, damos aos bebês um lugar seguro para dormir, algo crucial para evitar a morte por asfixia.”

Apoio familiar

Há projetos em curso também no Estado australiano de Victoria e na província canadense de Alberta.

Karen Benzies, professora de Enfermagem da Universidade de Calgary, destaca que a intenção original era ajudar as famílias mais vulneráveis, mas seus organizadores se deram conta que “a ideia de vulnerabilidade para a maioria das pessoas se refere a alguém com uma renda baixa, algo que não se aplica necessariamente à realidade de Alberta”.

É uma região que se beneficia da indústria petrolífera, e, por isso, quando os homens vão trabalhar nas plataformas, surge um novo tipo de problema: as mães criam seus bebês sozinhas. “O objetivo é dar apoio às famílias na transição da gravidez para a maternidade”, diz Benzies.

Um elemento-chave para isso é a mentoria dada aos pais, em que uma pessoa os auxilia, por telefone ou pessoalmente, a partir das 32 semanas de gestação até seis meses após o parto.

“No Canadá, quando alguém da família ou um amigo vê algo de errado, às vezes prefere não dizer nada, é comum que não interfira. Queremos mudar isso”, afirma Benzie.

Um centro de saúde americano lançou sua versão do projeto no início deste ano.

‘Assistente de berço’

Outra inovação incorporada pelos canadenses é um “assistente de berço”, uma espécie de folheto criado para os homens tenham uma relação mais próxima com seus bebês. Com um estilo parecido com o de um manual de um automóvel, o texto oferece um guia prático.

“Sabia que faz bem para o bebê arrotar algumas vezes?”, diz o texto, que ressalta a importância do “combustível”, o leite materno, e explica como “checar debaixo do capô”, as fraldas no caso, porque “manter seu modelo novo limpo e cômodo é importante”.

O governo finlandês destacou estar consciente do interesse global em seu projeto e que com frequência oferece assessoria a outros países. De fato, realiza apresentações em embaixadas. Mas nem todo mundo está convencido de que a caixa é a melhor forma de ajudar.

Colin Pritchard, professor da Universidade de Bournemouth, no Reino Unido, estuda mortalidade infantil e acredita que o sistema tem “sentido teoricamente”, por dar ao bebê um local para dormir além da cama dos pais e poder reduzir os casos de morte súbita por asfixia. No entanto, acredita que o efeito é pequeno.

Ele argumenta ser mais importante criar mecanismos para reduzir a pobreza, fazer com que os pais deixem de fumar e melhorar a educação dos pais e os cuidados que eles terão com os filhos para frear a mortalidade infantil.

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