Papo de Mãe

Aborto, machismo e o mundo que não quero para minha filha

Roberta Manreza Publicado em 14/12/2016, às 00h00 - Atualizado às 11h12

Imagem Aborto, machismo e o mundo que não quero para minha filha
14 de dezembro de 2016


Por Claudio Henrique dos Santos*

Recentemente, o STF firmou o entendimento de que praticar aborto nos primeiros três meses de gravidez não é crime e acabou reacendendo a discussão sobre a legalização. Ao ler a notícia nos jornais, tive a curiosidade de verificar nas redes sociais o que as pessoas pensavam sobre o assunto. Sem querer entrar no mérito das questões religiosas e morais que são levantadas sempre que se fala desse tema, confesso que fiquei chocado.

Em geral, a grande maioria dos homens colocava a inteira responsabilidade de uma gravidez indesejada nas costas das mulheres, como se o ato de engravidar alguém também não dependesse de um homem. Alguns, mais intolerantes, sugeriam que a mulher que não quer engravidar deveria simplesmente abster-se de sexo. Isso para não mencionar outros comentários de baixo calão, cujo teor é impublicável.

Numa sociedade machista como a nossa não é surpresa – embora seja muito triste – ver homens manifestando-se desse modo. Mas meu maior choque foi ver mulheres apoiando esses comentários, mostrando uma incapacidade de ao menos tentar colocar-se no lugar de uma outra mulher que se vê diante da necessidade de tomar uma decisão como a de abortar uma criança, independente de qual seja sua motivação.

Sei que este espaço do Papo de Mãe tem um público majoritário feminino e meu objetivo não é discutir o que leva uma mulher a concordar com ideias tão retrógradas. Entretanto, peço licença para escrever sobre o machismo, principalmente para os pais, filhos, namorados e maridos que eventualmente estejam nos lendo – e nada impede que você, mãe, compartilhe esse texto com os homens que estão à sua volta.

Como falei aqui sobre colocar-se no lugar do outro, convido nossos homens a refletirem sobre algumas situações do cotidiano:

– Você já sofreu alguma tentativa de abuso sexual somente porque estava vestido de alguma maneira ou porque bebeu um pouco além da conta?
– Precisou apertar o passo ou atravessar a rua somente porque tinha alguém te chamando de gostosão, vadio, cachorro?
– Foi assediado fisicamente dentro de um ônibus, metrô ou elevador?
– Você já foi agredido por alguém que vive do seu lado, mas não saiu de casa porque dependia financeiramente dessa pessoa?
– Trabalhou duro o dia inteiro e quando voltou para casa tinha que cozinhar, lavar a roupa, fazer a lição de casa com os filhos? Tudo isso sabendo que no final do mês você ainda ganharia 30% menos do que alguém que faz o mesmo serviço que o seu, mas é do outro sexo? Ou não foi contratado porque poderia “engravidar”?

A sociedade já fez uma série de avanços. Mas uma grande parte das mulheres, talvez a maioria delas, lamentavelmente ainda vivencia estas situações, em maior ou menor grau, em pleno século XXI. Se mesmo depois dessa reflexão você ainda acredita que não somos machistas, agradeço o tempo dispensado até agora, mas pare por aqui a sua leitura.

O escritor e pensador português, José Saramago, dizia que “se o maltrato e o desrespeito às mulheres são problemas causados pelos homens, cabe a eles resolvê-los”. É isso mesmo. Quem tem a obrigação de fazer um mundo melhor para nossas mães, esposas, namoradas, filhas e netas, somos nós, os homens. Então, vamos tratar de deixar nossas atitudes machistas de lado e passar a respeitar e tratar com dignidade todas as mulheres que estão a nossa volta, sejam elas da nossa família, amigas da escola e da universidade, colegas de trabalho ou subordinadas.

Enfim, precisamos entender que o mundo mudou, as mulheres ganharam seu espaço e que hoje, todos, sem exceção, têm direito a oportunidades iguais. Esse é o mundo que eu quero para a minha filha. Um mundo em que ela seja o que ela quiser. Que ela ande sem medo e sinta-se respeitada, onde estiver. Que ela faça o que quiser, sem ser julgada por ninguém.

Esse é o mundo que eu quero para todas as mulheres que estão à minha volta. E todos nós temos obrigação de fazer isso acontecer. Diga não ao machismo. Sempre! Todos nós, homens e mulheres, seremos mais felizes com isso.

*Cláudio Henrique dos Santos é jornalista, escritor, palestrante e autor dos livros “Macho do Século XXI” e “Mulheres modernas, dilemas modernos”. Participou do Papo de Mãe sobre ‘homens que são donos de casa’.

Leia também:
Reveja as entrevistas com o Cláudio:
Assista ao Papo de Mãe sobre ‘homens donos de casa’:

Edição: Clarissa Meyer




ColunistasClaudio Henrique dos SantosComportamentoConflitosDesafios / DilemasDestaquesHomeMercado de TrabalhoTrabalho / Carreira