Papo de Mãe

Educação e surdez

Roberta Manreza Publicado em 08/11/2017, às 00h00 - Atualizado às 12h11

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8 de novembro de 2017


Por Prof. Dr. Ricardo Ferreira Bento; Professor Titular de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP, e Dr. Robinson Koji Tsuji; Médico Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP*

Muito pertinente e atual o tema da redação do último ENEM “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil“, vem trazer uma discussão complexa, que desafia também os especialistas sejam médicos, fonoaudiólogos e educadores. A primeira observação a ser feita é que nem todos os surdos são iguais, tanto no grau de surdez quanto na sua primeira língua. Indivíduos com perdas auditivas leves ou moderadas não são iguais a indivíduos com perdas severas ou profundas tendo, portanto, necessidades diferentes.

Mesmo entre os indivíduos com surdez severa ou profunda, existem diferenças quando a forma predominante de comunicação, podendo ser oral como nós ouvintes ou visual. No Brasil, a língua visual oficialmente utilizada é a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).

Existe um período crítico para o desenvolvimento da linguagem em qualquer pessoa, e isso também vale para os surdos, motivo pelo qual o início do tratamento, da reabilitação e da exposição a uma língua devem ser feitos precocemente, de preferência até os 3 anos de idade. A exposição tardia a qualquer língua inclusive a LIBRAS acarretará o desenvolvimento incompleto da gramática também da língua de sinais, com prejuízo também no aprendizado das demais áreas do conhecimento.

Tendo em mente estas diferenças, nota-se a complexidade de políticas de educação do surdo, pois os surdos oralizados e usuários de implante coclear ou aparelhos auditivos, têm necessidades diferentes em relação aos indivíduos que se comunicam exclusivamente por LIBRAS. A escola deve assegurar que esses alunos possam se apropriar do mesmo conteúdo programático, ampliar seu potencial linguístico, cognitivo, emocional e social.

Alunos que se comunicam por LIBRAS irão necessitar de intérpretes que conheçam esta língua, uma vez que esta não é de domínio da absoluta maioria dos educadores e da população em geral. Mesmo dentro de sua família, será necessário que os pais aprendam a LIBRAS com uma segunda língua, uma vez que 95% das crianças surdas são filhos de pais ouvintes. A própria LIBRAS, por se constituir numa língua estruturada, deve ser aprendida, sendo necessário que o aluno surdo frequente instituições especializadas no seu ensino ou mesmo que seja disponibilizado no seu colégio de acordo com as diretrizes educacionais de inclusão. A língua de sinais também não é universal mudando de país para país acarretando uma enorme dificuldade de inclusão e oportunidades no atual mundo globalizado.

O que não é admissível é que este aluno de LIBRAS seja colocado numa escola regular com outras crianças ouvintes sem nenhuma atenção especial, sendo incapaz de entender o conteúdo passado em sala de aula e de se comunicar com seus colegas.

Sobre as políticas públicas de educação do surdo, importantes documentos foram elaborados nas últimas décadas para promover a educação do aluno surdo de forma inclusiva, como a resolução CNE/CEB de 2001, que institui diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica, e a política nacional de educação especial em uma perspectiva inclusiva. O Plano Nacional de Educação – PNE (LEI Nº 13.005, de 25 de junho de 2014), com vigência até 2020, tem como uma das diretrizes a superação das desigualdades educacionais e, em sua meta 4, propõe a universalização, para a população de 4 a 17 anos, do atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino. Trata-se de um importante avanço no sentido de se cumprir o que estabelece a Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 205 dispõe sobre a educação como direito de todos.

A habilitação auditiva precoce com uso da tecnologia médica atualmente disponível, que são os aparelhos auditivos e os implantes cocleares, permite que estas crianças adquiram a língua oral como sua primeira língua, o que gera um grande impacto na sua educação pois será capaz de estudar sem a necessidade de um intérprete. Em 1999, a portaria Nº 1.278, do Ministério da Saúde, incluiu o implante coclear no rol de procedimentos do SUS, tornando este tratamento acessível à população brasileira. O SUS também garante a toda a população o fornecimento gratuito de aparelhos auditivos para todos os níveis de perdas auditivas.

Indivíduos surdos tratados precocemente com implantes ou aparelhos, podem desenvolver habilidades auditivas e de fala próximos aos indivíduos ouvintes normais. Porém não devemos considerar que estes indivíduos tenham a mesma capacidade auditiva dos indivíduos sem surdez sendo, portanto, crianças que podem apresentar dificuldades em sala de aula, que é um ambiente com muito ruído competitivo. Para estes alunos, a professora deve assegurar medidas que facilitem a sua compreensão, como sentar na primeira fileira e disponibilizar o acesso a microfones especiais que se acoplam aos implantes cocleares e próteses auditivas como o sistema FM (frequência modulada). Além disso, também é importante o acesso a reabilitação e acompanhamento fonoaudiológico e psicológico.

O tratamento precoce da surdez, promovendo o desenvolvimento da língua oral por meio do uso de aparelhos auditivos e implantes cocleares, é um método que promove a inclusão plena do surdo uma vez que retira a barreira da comunicação com os professores e colegas da escola e no futuro garante a mesma competividade profissional na sociedade. Infelizmente, nem todos os pacientes surdos podem se beneficiar destas tecnologias, por serem portadores de malformações congênitas graves nos ouvidos ou porque já passaram da idade ideal para a o início do tratamento. Nestes casos, a LIBRAS ainda se constituirá numa importante forma de comunicação, embora cada vez menos necessária. Existe uma corrente que defende o bilinguismo (ensino de LIBRAS e língua oral) como forma de comunicação, pois a exposição precoce a LIBRAS poderia trazer benefícios cognitivos inclusive para os indivíduos usuários de implante coclear.

Portanto, é importante ter em mente as diferenças existentes entre os surdos e as necessidades específicas de cada grupo para que estratégias educacionais adequadas sejam elaboradas.

O implante coclear é a primeira e única prótese sensorial desenvolvida. Não se pode negar às crianças que nascem surdas a possibilidade do implante o mais cedo possível pois um tempo grande de privação auditiva faz com que o resultado não seja bom.

*Prof. Dr. Ricardo Ferreira Bento; Professor Titular de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da USP

Dr. Robinson Koji Tsuji; Médico Assistente do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP.

O professor Bento atua no tratamento da surdez há 38 anos sendo uns dos pioneiros no implante coclear. Dr. Koji é coordenador da equipe de implante coclear do HCFMUSP


Assista ao Papo de Mãe sobre Problemas de Audição, que contou com a presença do Dr. Robinson Koji Tsuji, otorrinolaringologista do HC/FMUSP. 

O Papo de Mãe sobre Problemas de Audição nos rendeu uma homenagem no Hospital das Clínicas de São Paulo. Em 8 anos e mais de 500 programas muitos temas importantes já foram debatidos no nosso Papo de Mãe.




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