Papo de Mãe

Consumo: a publicidade e as crianças

pmadmin Publicado em 12/02/2010, às 00h00 - Atualizado às 20h12

12 de fevereiro de 2010


Oi, pessoal!Nesta última quinta-feira (11) foi ao ar o programa sobre consumismo, tema de muita relevância nos dias atuais.Dando prosseguimento ao assunto, trouxemos este artigo publicado no site do Instituto Alana. Percebam de que forma nociva a propaganda mal intencionada pode influenciar na formação dos hábitos e valores de um indivíduo, ainda mais quando o foco principal são as crianças.A publicidade dirigida a crianças e a formação de valoresPor Tamara Amoroso Gonçalves

Fonte: www.alana.org.br


Foi-se o tempo em que o encargo dos cuidados com as crianças era dever exclusivamente destinado às mulheres. Hoje a preocupação com a infância e o seu desenvolvimento saudável, por determinação constitucional e legal, é responsabilidade partilhada pela família, pela sociedade e pelo Estado. A proteção de crianças e adolescentes deve ser garantida com prioridade absoluta por todos.Cada ator social assume papéis diferenciados e complementares, formando-se assim uma rede de proteção à infância. Ao Estado cabe a imposição de limites e parâmetros legais para a atuação dos demais atores, bem como o desempenho de atividades de garantia e promoção dos direitos fundamentais de crianças, além de repressões a eventuais violações. A sociedade está incumbida de respeitar os direitos infanto-juvenis em toda a sua extensão, abstendo-se de praticar atos que os infrinjam e também atuando positivamente para assegurá-los. À família – aqui entendida não apenas o núcleo tradicional, mas também a família mono-parental ou outras formas modernas de organização familiar – cumpre o dever, precipuamente, de prover à criança proteção, apoio e o resguardo de todos os seus direitos.Mas não são apenas estes atores sociais que promovem e contribuem com a formação e desenvolvimento de crianças e adolescentes. Atualmente, a mídia e em particular a publicidade assume um papel central na formação de valores das crianças brasileiras. Assistindo a uma média de 5 horas por dia de televisão, os pequenos são alvo de uma infinidade de peças publicitárias que anunciam desde telefones celulares até produtos de limpeza, passando por produtos alimentícios e brinquedos. E enquanto descobrem novos produtos e marcas, as crianças também recebem importantes informações sobre os padrões culturais de nossa sociedade, tendo a formação de seus valores bastante influenciada por este tipo de conteúdo (publicidade). Sabe-se que bastam 30 segundos para uma marca influenciar uma criança (…)Ainda que muitos produtos não sejam tipicamente do universo infantil ou usados por crianças, é bastante comum que a publicidade dos produtos e serviços se utilize de recursos de fantasia, animação, personagens licenciados, músicas infantis, dentre outros recursos atrativos aos pequenos. Esta estratégia contribui para induzir crianças a ambicionarem, incessantemente, diversos produtos, criando-se desejos e necessidades constantes.Segundo pesquisa da Interscience realizada em outubro de 2003 o poder de influência das crianças na hora das compras chega, hoje, a 80% em relação a tudo o que é comprado pela família, desde o automóvel do pai, à cor do vestido da mãe, passando inclusive pelo próprio imóvel do casal. Dados como este são reforçados por outras pesquisas como a “Ninõsmandan!”, que comprovam que, atualmente, na América Latina, literalmente são as crianças quem comandam as compras da família, especialmente em situações em que os pais ou responsáveis se sentem, de alguma forma “culpados” por não oferecerem suficiente atenção e cuidado com os filhos.O mercado anunciante e agências publicitárias, sabedores de tais dados, não deixam de investir pesadamente em comunicação mercadológica dirigida a crianças, na medida em que com apenas uma ação podem influenciar até três mercados: atuam diretamente sobre as crianças, indiretamente sobre seus pais (quando os filhos demandam os pais, influenciam sobremaneira as decisões de compra da família8) e inconscientemente os futuros consumidores que as crianças se tornarão. Com isso, em uma única ação de marketing atinge-se o mercado atual e projetam-se inserções para um mercado futuro, cativando desde a infância crianças que podem se tornar consumidores fiéis por toda a vida.Neste cenário, o que se observa é que a publicidade não é mera informação sobre o produto ou serviço, mas é, antes de tudo, um instrumento de convencimento e indução ao consumo – haja vista ser mensagem puramente venal – que se vale de apelos emocionais para vender, muito além de bens, padrões de consumo e hábitos de vida. No que concerne à infância, nota-se que a publicidade tem se mostrado um fator propulsor da formação de uma infância extremamente consumista e com valores distorcidos.A lógica que se depreende de muitas ações de marketing é a de que o valor humano está centrado no simples acúmulo de bens materiais. Aliás, é o consumo destes produtos que define, hodiernamente, a inserção social das pessoas. Para além dos efeitos negativos que tal pode ter no desenvolvimento humano, este estímulo ao consumo desmedido leva também à formação de hábitos de consumo insustentáveis ambientalmente.Mas não é só o consumo desmedido de bens e serviços que é insistentemente anunciado às crianças. Padrões de comportamento, estereótipos de gênero que reforçam papéis tradicionais de homens e mulheres em nossa sociedade também são anunciados por meio da publicidade. Quando se trata de infância, o que se nota é que as ações publicitárias também reforçam tais papéis de maneira bastante estereotipada, havendo uma grande diferença na forma como se anuncia para meninos e meninas.Enquanto peças publicitárias para crianças do sexo masculino exploram a violência e a agressividade como metáforas para uma identificação com padrões de masculinidade, as dirigidas a meninas apostam na construção de uma imagem de feminilidade baseada na delicadeza feminina e maior interesse por questões ligadas à moda, aparência, beleza etc.Comerciais para crianças do sexo feminino em geral apresentam cenários de princesas, universo da moda ou ambiente doméstico. Muitas vezes, tais anúncios apresentam também padrões únicos de beleza, sendo comum que as bonecas e as crianças ali em destaque não representem a diversidade étnico-racial brasileira, por exemplo, mas se concentre no modelo ocidental europeu: cabelos loiros, olhos claros, pele clara.A disseminação de um padrão de beleza único e inatingível para a maioria da população, desde a infância, é fator altamente preocupante, especialmente considerando-se que 59%das crianças e adolescentes brasileiras com idade entre 7 a 19 anos estão infelizes com sua aparência física/corporal.A imagem de beleza difundida em comerciais acaba se tornando um importante referencial para a criança que tem contato com este conteúdo, especialmente quando tais mensagens são exaustivamente anunciadas, com a conjugação de diversas estratégias de promoção de produtos.Assim, não surpreende que, de acordo com a pesquisa (…), a profissão de modelo seja almejada por 11% das meninas em contraposição a 0%dos meninos com idade entre 7 e 15 anos. Além disso, quando perguntados sobre “Quem mais admiram”, 24%das meninas indicaram uma atriz e 16% uma modelo (em oposição a 8% e 1% dos meninos, respectivamente). Ainda, sobre os assuntos que conversam, entre as meninas as roupas e acessórios ocupam 26%dos diálogos.Neste contexto, é de se frisar que relacionado ao sonho de ser modelo, as crianças e adolescentes brasileiras vêm sofrendo cada vez mais e precocemente com distúrbios alimentares como anorexia e bulimia. Problemas graves e complexos de saúde que envolvem inclusive —mas não apenas —o desejo desenfreado em ser uma ‘super top model’ . A apresentação de padrões estereotipados de beleza feminina e a indução de brincadeiras relacionadas a este sonho, desde a infância, contribuem significativamente para que estes transtornos se verifiquem com maior freqüência.Há que se levar em conta que os fatores culturais – e neles incluem-se as brincadeiras, os conteúdos vistos em comerciais e na televisão, as expectativas dos padrões de gênero definidos socialmente, etc. —influenciam bastante o desenvolvimento de transtornos alimentares e que a profissão de modelo —que se inicia mais e mais cedo, por imposição do mercado —atinge sobremaneira as meninas brasileiras, com a sedução de um mundo de glamour e de beleza. No entanto, a realidade das crianças e adolescentes que tentam seguir este caminho é bem outra, pois para manterem o padrão estético exigido pelo mercado, desenvolvem hábitos alimentares não saudáveis que colocam em risco a sua saúde e muitas vezes as levam à morte.De fato, temáticas como aparência, estilo, moda e garotos—sempre exaustivamente exploradas em comerciais “para meninas” —não são preocupações típicas da infância e induzi-las por meio de mensagens publicitárias, apenas para promover a fidelização de uma marca e incentivar o consumo não é ético e nem legal. Ao revés, veicular mensagens comerciais como tais levam apenas a efeitos indesejáveis como a erotização precoce, supressão de uma infância que preze o desenvolvimento integral, estresse familiar, obesidade infantil, formação de hábitos de consumo inconseqüentes, dentre outros.É importante explicitar que as estratégias de comunicação mercadológica não são sequer percebidas pelas crianças. Elas não se dão conta de que ao serem expostas a conteúdos publicitários estão também consumindo idéias e valores, incorporando-os e reproduzindo-os como padrões sociais. Além disso, diversas pesquisas e estudos (realizados não apenas no Brasil) apontam que as crianças, assim consideradas as pessoas de até doze anos de idade, não têm condições de entender as mensagens publicitárias que lhes são dirigidas, por não conseguirem distingui-las da programação na qual são inseridas, nem, tampouco, compreender seu caráter persuasivo.Exatamente pela dificuldade que as crianças têm de compreender a mensagem publicitária é que o seu direcionamento a este público constitui-se como extremamente abusivo, violando inclusive a legislação pátria. De acordo com uma interpretação sistemática da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças e do Código de Defesa do Consumidor, tal prática é vedada às empresas.A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança determinam que a proteção da infância —e a garantia de todos os seus direitos fundamentais — é prioridade absoluta da família, da sociedade e do Estado, garantindo que as crianças fiquem a salvo de todas as formas de violência e exploração — inclusive econômica.O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, em matéria de publicidade, apresenta como princípio basilar desta atividade que sua apresentação seja plena e imediatamente reconhecida como tal pelo receptor, sob pena de se configurar como abusiva e, portanto, ilegal. Além do mais, a mesma legislação consumeirista define como abusiva toda publicidade que se aproveite da vulnerabilidade das crianças com o escopo de vender produtos (art igo 37, § 2º do referido diploma legal).Ora, se os pequenos não conseguem discernir publicidade de conteúdo televisivo e nem mesmo o seu caráter eminentemente venal, resta claro que a publicidade dirigida às crianças padece de patente ilegalidade, devendo ser prontamente reprimida pelos órgãos competentes. Esta situação se agrava a medida em que as mensagens publicitárias em geral transmitem valores distorcidos, contribuindo significativamente para o desenvolvimento ou agravamento da erotização precoce, da obesidade infantil e de outros transtornos alimentares e doenças associadas, delinqüência juvenil, estresse familiar, consumismo, entre outros.Assim, é obrigação de todos os atores sociais — família, sociedade e Estado — evitarem a inserção antecipada da criança em um mundo adulto, por meio do consumo, sob pena de promover a extinção desta importante fase da vida que é a infância. De maneira que não basta apenas uma mudança no conteúdo de mensagens publicitárias, mas é necessário que não sejam mais dirigidas à infância nenhuma forma de comunicação mercadológica. Observe-se, por fim, que a limitação da publicidade dirigida a crianças não se constitui em censura. Diversos países com forte tradição democrática e altamente desenvolvidos, como Inglaterra, Canadá e Suécia reprimem o direcionamento da publicidade aos pequenos com o escopo de proteger o seu desenvolvimento saudável. Além disso, é importante que se observe que enquanto a liberdade de expressão se constitui na manifestação de idéias, pensamentos políticos, filosóficos, religiosos, ou mesmo simples revelação de opiniões, a publicidade é um instrumento de convencimento para indução ao consumo, é mensagem puramente venal, que inclusive diversamente de uma mensagem jornalística faz uso de um espaço pago na mídia para se propagar. Como toda atividade profissional, a publicidade deve ser regulamentada e o seu exercício ter como parâmetro ético o respeito aos direitos humanos, sobretudo de crianças e adolescentes, que são prioridade absoluta na sociedade brasileira. Afinal, a infância de hoje será a sociedade adulta de amanhã, razão pela qual a mudança dos padrões de consumo e de valores deve ter início já.Tamara Amoroso Gonçalves é advogada graduada pela PUC- SP e mestranda em direitos humanos pela USP. Atualmente, trabalha no Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana. É também membro do CLADEM/ Brasil.—Bom, gente, por hora é isto. No próximo domingo, 13h30, tem reapresentação do programa sobre pais separados. Vocês não podem perder!!!
Um super beijo,Equipe Papo de Mãe