Adoção: como se planejar para chegada de um filho que não tem data para “nascer”
17 de agosto de 2016Por Ana Luisa da Cunha Bartholo* – Edição: Clarissa Meyer
E de repente o telefone toca e você vira mãe.
A gente já sabia que seria assim. Afinal, foram anos frequentando reuniões de grupos de apoio à adoção, lendo, pesquisando, conversando com quem já tinha adotado e com pessoas que trabalham com o assunto. É assim mesmo: depois que você está habilitado a adotar uma criança e entra na fila, só resta esperar. Um dia – que pode ser depois anos, como foi no nosso caso – o telefone toca. E aí é a maior correria.
“Mas se ela esperou por anos, por que não conseguiu se preparar, fazer o enxoval com calma? Por que tanta correria?”
No nosso caso, éramos indiferentes ao gênero da criança e a idade podia variar entre zero e dois anos. Então, não dava para fazer o enxoval nem saber que tamanho de fralda nosso (a) filho (a) ia usar. Ou mesmo se precisaria de um berço ou uma cama e quais seriam os brinquedos adequados para sua idade.
Bem, a correria que foi entre conhecermos a Gabriela e a trazermos para casa três semanas depois era esperada. Sabíamos que seria tudo muito intenso, rápido, sem tempo e com fortes emoções. Afinal, desde que fomos conhecê-la no abrigo, nós a visitamos todos os dias até buscá-la definitivamente. Durante mais de vinte dias, meu marido e eu saímos do trabalho para o abrigo e do abrigo para casa. Nos finais de semana, ficávamos horas com ela, e depois, saíamos para comprar os itens de primeira necessidade e buscar os inúmeros presentes e doações que recebemos da nossa rede de amigos e familiares. Um período intenso e cansativo, durante o qual contamos com todos na torcida para que – finalmente – virássemos pais.
Quando a Gabriela chegou, depois de anos frequentando grupos de apoio e trocando experiências, eu me considerava relativamente preparada e ciente dos desafios da adoção. O que eu não esperava era descobrir o quanto nossa sociedade equivocadamente confunde, muitas vezes sem perceber e no piloto automático, maternidade com gestação.
Minha descoberta, na verdade, começou alguns meses antes de o telefone tocar, quando minha chefe e eu, ao começar a planejar minha licença maternidade, nos deparamos com a seguinte pergunta: ‘como conseguir alguém para uma vaga temporária sem oferecer uma previsão de quando a pessoa iria trabalhar?’
“Ah, é a mesma coisa que planejar o afastamento de uma gestante que não tem data certa para sair e precisa ser substituída no trabalho”. Só que não.
No caso da gestante, em geral existe uma previsão da sua saída. Claro que emergências acontecem: pode ser que ela tenha que se afastar de repente para ficar em repouso ou o bebê pode nascer antes do previsto. Ainda assim é possível prever alguma janela de tempo em função das semanas de gestação e do acompanhamento da sua saúde.
Mas veja como foi minha experiência de licença maternidade por adoção. Eu sabia que a chance de meu marido e eu sermos chamados em 2016 era grande, e por isso, logo após a virada do ano, ficou decidido pela minha empresa contratar alguém por meio de uma agência de recrutamento para cobrir algumas das minhas funções durante meu afastamento.
“Oi, tudo bem? Meu nome é Ana Luisa e sou diretora de marketing. Preciso contratar uma pessoa para me substituir parcialmente durante minha licença maternidade. Vocês podem me ajudar?”
“Sim, claro, Ana. Quando é sua previsão de saída?”
“Bem… Eu devo sair em uma data ainda não definida, quase com 100% de certeza em 2016, e com grandes chances de ser entre março e outubro”.
… (silêncio do outro lado da linha).
Essa conversa aconteceu mesmo. Pela primeira aquela agência lidaria com o desafio de contratar uma pessoa sem previsão de data para começar. Os tempos de crises ajudavam, afinal havia muita gente boa sem trabalho e disposta a flexibilizar suas exigências, mas a empreitada não era fácil. O resultado foi que a empresa precisou rever sua metodologia e criar um novo processo de contratação para atender ao meu caso.
Voltando ao caso da gestante: é possível prever que ela não poderá mais viajar de avião aproximadamente após o 6º mês de gravidez. Já para mim, mesmo sabendo que seriam altas as chances de minha vez chegar em 2016, não era possível afirmar quando eu seria afastada, de modo que minhas viagens profissionais de todo o primeiro semestre, inclusive internacionais, foram programadas, tendo as passagens que ser canceladas mais tarde, sem que a empresa pudesse ser reembolsada.
E não é só no âmbito profissional que os procedimentos e informações são definidos no automático ‘maternidade = gestação’. Em muitos casos, assume-se abertamente que a única maneira de se ter filhos é tendo dado-os à luz, como pude perceber ao responder à seguinte pergunta de um questionário para fazer uma ultrassonografia em um laboratório:
Tem filhos? (X ) Sim. Quantos? 1 ( ) Não.
Lá fui eu, toda orgulhosa, pela primeira vez, marcando ‘sim’. Cena seguinte: a médica, antes de me examinar, pergunta: “Vi que você tem um filho… Seu parto foi normal ou cesárea?”.
Sem perder o bom humor, respondi: “Doutora, minha filha foi adotada. Acho que o questionário está mal formulado…”
Isso sem falar na expressão de surpresa de muitas pessoas quando descobrem que mães por adoção também têm direito à licença maternidade: “Puxa, que bom, adoção também dá direito?!…”
OK, a extensão da licença à mãe adotante é relativamente nova, de 2002, mas conceitualmente a licença é maternidade e não licença-gestação ou licença-parto. Os pais por adoção precisam MUITO oferecer tempo e disponibilidade para que o vínculo com seu filho, até então inexistente, seja formado. Aliás, independente da idade, qualquer criança adotiva sofreu rupturas e pode ter um lapso emocional que precisa ser cuidado. Não consigo imaginar como seria se eu não pudesse passar esses primeiros meses em função da Gabriela, não apenas a conhecendo e às suas necessidades, como também me descobrindo no novo papel. Tenho certeza que o desenvolvimento incrivelmente acelerado que ela apresenta desde que está conosco, há pouco mais de três meses, tem muito a ver com a segurança que minha presença constante pôde proporcionar.
A boa notícia é que, com flexibilidade e tranquilidade, mas sem deixar de colocar o cenário “desconhecido” para o outro, de maneira geral as coisas se resolvem. Foi assim que tanto para a ficha do pediatra quanto para a matrícula na escola, explicamos o caso e pedimos que Gabriela fosse chamada pelo nome que tem desde que está conosco e que é diferente do da sua documentação, até termos sua guarda definitiva, o que deve acontecer nos próximos meses.
Sei que ainda está só começando e que ainda vou me deparar com outros exemplos como esses, afinal sou mãe há pouco mais de três meses. Mas achei importante levantar a discussão sobre adoção também ser uma forma de maternidade. Que bom que ela existe e que permite não apenas que mulheres como eu possam realizar seu sonho de ser mães, como também proporciona um futuro para crianças e adolescentes que não têm chance em suas famílias biológicas.
Obrigada à equipe do Papo de Mãe por me ajudar nessa empreitada!
*Ana Luisa da Cunha Bartholo é administradora de empresas e autora do livro “Essência – um preço alto e o caminho de volta”. Participou do Papo de Mãe “Tentantes”. Contato: https://www.facebook.com/
Assista ao Papo de Mãe com a participação da Ana Luisa:
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Tags: Adoção, Você no Papo
Chorando de emoção. Meus parabéns e grata por compartilhar conosco dia experiência.
Dhenise, obrigada pelas palavras!
É Maria Luiza, sei bem como é. Nas fichas médicas que fiz do meu filho tive que colocar o nome da mãe biológica pois era o que constava no documento. Até hoje recebo ligações procurando por ela.
Cláudia, imagino que ainda vamos passar por muitas situações desconfortáveis como a sua… Mas o que importa é o laço que temos com nossos filhos, não? Quando ele é forte, todos esses percalços são superados. Um abraço!
Parabéns! !!! Sejam muito felizes.
Oi Ana!!! Tenho muito interesse em conversar um pouco com você sobre essa experiência da adoção e da maternidade, será que podemos nos falar por email?
Oi Juliana, podemos sim, claro! Me envie uma mensagem inbox pela página do meu livro: https://www.facebook.com/EssenciaAnaCunha/
Achei linnndo e bem parecido com a nossa história, foi assim dps de 5 anos esperando o telefone tocou na segunda dia 23/05/2016 e no dia 25/05/2016 já eu já era mãe assim mesmo rapidinho nem acreditamos . E tmbm foi a correria pq tmbm não tinha nada pq no nosso perfil só pedimos uma garota de até 5 anos então como fazer enxoval? e aí chega quem ? uma linda bebê de 2 meseskkkk hoje ela tem 4 meses e não paramos de babá ela é muito amor
Ana Luisa, minha história é bem parecida com a sua, só que, em vez de um, adotamos dois (um casal de irmãos). Meu filho tinha 3 anos e 7 meses e minha filha 2 anos e 4 meses quando foram definitivamente para nossa casa. Também na escola eles são chamados e identificados pelo sobrenome social, não o do registro (não mudamos o nome). Igualmente, foi um mês pra conhecer nossos filhos, lá no final de 2014, e pra arrumar tudo: enxoval, camas, fraldas (minha filha usava, ainda), cadeirinhas pros carros…Igualmente ainda não saiu a adoção definitiva porque o genitor está recorrendo da destituição. Sigamos em frente, felizes com nossos filhos amados.
Realmente estou vivendo uma história parecida,tenho dois filhos biológicos e fico furiosa quando alguém pergunta se estou criando o terceiro filho,ao qual gestei no coração, eu vejo como muitos ainda não sabem nada sobre adoção. Independente dos olhares cruzados minha filha foi o maior presente para nossa família.
Meus parabéns
Obrigada, Marcelo!
Me emocionei lendo seu texto pq me vi em situacao semelhante a sua. Esperamos 4 anos na fila da adocao e enfim recebemos o telefonema que trouxe o nosso tao desejado filho, entao com 2 anos e meio. Depois de 6 dias de vai e vem ao abrigo, trouxemos ele em definitivo para casa, somente com a roupa do corpo e dois bichinhos de pelucia…Tivemos q fazer o enxoval as pressas e contar com a ajuda dos amigos e parentes. Sai em licenca maternidade no mesmo dia, alias, periodo muito importante para adaptacao, mas muito burocratico para encaminhamento junto ao inss por se tratar de adocao. Meu amor tem agora quase 4 anos e eu estou muito feliz. Obtivemos a certidao de nascimento com o nosso sobrenome 1 ano depois da adocao e durante este tempo algumas situacoes exigem paciencia, inclusive neste periodo nao pude batiza-lo. A carteira de aconpanhamento dele desde o nascimento tb nao pode ser trocada. Mas tudo compensa quando ele me abraca e diz q me ama de modo expontaneo..
É exatamente Assim, uma loucura. Você se torna mãe de um dia para o outro, literalmente. E é muito bom.
Nas fichas médicas ou ao médicos mesmo respondo ‘tenho filho, não biológico’. Na prática, o médico precisa saber se teve um parto ou não, e não me incomodo com isso.
Cada mãe e pai vai descobrindo a melhor forma de lida com essas pequenas dificuldades do dia a dia. O importante mesmo é o amor que só cresce dentro de nossos corações.
Bom compartilhar essas experiências. Comigo também foi assim. Me ligaram na sexta e na segunda já estava pegando meu baby. Tive 2 dias para tentar arrumar todo o básico que uma criança de 4 meses precisa. Me considero a mãe mais sortuda do mundo.
Bom compartilhar essas experiências. Comigo também foi assim. Me ligaram na sexta e na segunda já estava pegando meu baby. Tive 2 dias para tentar arrumar todo o básico que uma criança de 4 meses precisa. Me considero a mãe mais sortuda do mundo.
acompanhei a história da minha sobrinha q adotou um menino, e não me conformo qdo mesmo quem não conhece ela, alguém perto de mim fala q ele é adotado. Vou explicar. Tenho sobrinhos q são filhos do primeiro casamento do meu cunhado, ou seja eu os “adotei” como sobrinhos então seu filhos q vieram pela gestação são sobrinhos, mas meu pqno chegou pelo coração e ai tenho q dizer q é adotado. Não entendo isso.
Parabéns Ana por essa benção. Linda sua filha. Você pode nos dizer quanto tempo ficou na fila?
Oi Viviane, obrigada! Esperamos por ela por dois anos e quatro meses. Abraços!
Me identifico com a sua história, esperei por 7 anos a chegada do meu filho e nós tornamos mãe e filho quando ele tinha 7 dias de vida. Meu telefone tocou e dois dias depois eu estava com ele nos meus braços. Foi um momento de muitas alegrias, mas também de muito expectativa com o novo e desconhecido ( Sem falar na LOUCURA de ter que comprar tudo, absolutamente tudo em pouco tempo). Tive problema na questão da licença a maternidade (INSS). Hoje ele está com 1 ano e 6 meses e posso te dizer que vivo a maternidade intensamente e minha familia ficou completa.
Eu entendo bem seu depoimento. Mas, ao contrário, nossa filha chegou muito antes do que nós esperávamos e após receber o telefonema fomos conhecê-la e, 3 horas depois estávamos com ela em casa. Uma correria total. Hoje ela está com 16 anos, uma pessoa fantástica e muito humana e adotamos um menino que hoje está com 12 anos. que é muito carinhoso e sensível O que posso dizer é que a oportunidade de educar, dar carinho, participar do desenvolvimento de um ser humano não tem preço. Exige dedicação, luta. garra, esforço e perseverança ! Parabéns!
Que legal me vi em sua história , minha filha tambem nasceu esse ano, após 03 anos de espera e no meu trabalho também já sabiam e não há muito como prever né,…
Primeiramente, parabéns pela família!
Também sou mãe adotiva e não tive direito a licença maternidade porque a minha filha chegou com 8 anos (só tem direito quem adota crianças com até 7 anos). Tirei uns dias de férias, mas claro que a licença maternidade teria sido mais adequado.
Felicidades!
Que história linda…Fico muito ansiosa ao ler todos esses depoimentos, pois estou na fila de adoção a quase 5 anos e não vejo a hora de ouvir meu telefone tocar com essa noticia maravilhosa. Vendo todas essas histórias, consigo ter forças para continuar lutando e esperando essa maravilhosa noticia. Parabéns a todas as famílias que realizaram esse grande sonho.
Me emocionei pois vivo essa experiência maravilhosa tenho duas filhas uma quando adotei tinha um mês e 24 dias agora no dia 23 de agosto ela completa nove anos que está conosco conversando com ela contando a historia da chegada dela ficou toda feliz então mamãe dia 23 quero mais um presente de aniversario de quando me tornei filha do coração rsrsrs ela adora presentes. Minha caçulinha tinha 8 meses agora com 5 cinco anos um encanto de filha carinhosa inteligente. Uma experiência maravilhosa de uma hora pra outra ser mãe faria tudo de novo se preciso fosse.
Oi Ana! Quero muito ser mãe, mas quero adotar!
Não sei nem por onde começar, você pode me dar uma luz?
Minha filha perguntou da Bibi semana passada. Ela nao esquece essa fofura. Desejamos tda felicidade do mundo a vcs.