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Síndrome Alcoólica Fetal: entenda o que é e como preveni-la

Dia 9 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção à Síndrome Alcoólica Fetal (SAF), uma doença grave, mas totalmente evitável: basta não consumir bebida alcoólica durante a gestação.

Roberta Manreza Publicado em 08/09/2020, às 00h00 - Atualizado às 14h24

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8 de setembro de 2020


CISA - Centro de Informações sobre Saúde e Álcool

Dia 9 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção à Síndrome Alcoólica Fetal (SAF), uma doença grave, mas totalmente evitável: basta não consumir bebida alcoólica durante a gestação.

No que diz respeito ao consumo de álcool durante a gravidez, ainda há quem diga que beber só um pouquinho não faz mal. Porém, essa afirmação é equivocada. O álcool atravessa a placenta, atingindo a corrente sanguínea fetal. Entretanto, o organismo do feto – ainda em formação – não consegue metabolizar essa substância, que permanece no seu sangue por tempo prolongado, até que seja eliminada pela circulação materna. Como consequência, pode haver prejuízo ao desenvolvimento do feto, causando desde disfunções menos severas até a Síndrome Alcoólica Fetal – SAF.

Estima-se que, anualmente, cerca de 119 mil bebês nasçam com SAF no mundo. Como não se conhece um nível seguro de consumo de álcool durante a gestação, abaixo do qual não ocorram danos ao feto, a recomendação é de tolerância ZERO neste período. Mesmo a ingestão baixa a moderada de bebida alcoólica durante a gestação leva a risco de aborto espontâneo, prematuridade, baixo peso ao nascer e asfixia neonatal1,2.

O que é a SAF?

O álcool ingerido pela gestante pode lesar o feto em diferentes graus de intensidade, constituindo o chamado “espectro de alterações fetais devidas ao álcool” (FASD, da sigla em inglês Fetal Alcohol Spectrum Disorders), que vão de alterações mais específicas, como transtornos do neurodesenvolvimento ou defeitos congênitos, até a forma mais grave, que é a SAF3.

O tipo e a gravidade dos prejuízos induzidos pelo álcool dependem de 3 principais fatores:

  1. Quantidade de bebida alcoólica consumida;
  2. Frequência do consumo de álcool;
  3. O estágio de desenvolvimento do embrião/feto no momento da exposição.

Outros fatores também podem influenciar a extensão dos efeitos da exposição pré-natal ao álcool, como aspectos individuais maternos (composição corporal, idade, se é fumante e estado de saúde), genéticos (tanto da gestante como do feto) e ambientais (exposição da gestante à ambientes estressantes ou condição de adversidade social)4.

A SAF constitui um complexo quadro clínico de manifestações diversas capazes de causar alterações físicas e efeitos comportamentais sobre o feto e o recém-nascido, sendo a causa mais frequente de deficiência intelectual não congênita5. Entre as diversas características da síndrome, constam anormalidades faciais, hiperatividade, dificuldade de aprendizado, linguagem e memorização, problemas comportamentais até complicações renais, esqueléticas e cardíacas6. Para mais informações, acesse o texto “O consumo de álcool durante a gestação” e o vídeo “Grávidas podem beber?”

Esse alerta é especialmente importante porque nos últimos anos as pesquisas mostram um aumento do uso abusivo de álcool pelas brasileiras.  Essa mudança de hábito foi retratada na publicação “Álcool e a Saúde dos Brasileiros – Panorama 2020”, que apontou uma ampliação de 19,5% nos casos de internações e de 15% nos óbitos relacionados ao uso de álcool entre as brasileiras, respectivamente, nos períodos de 2010 a 2018 e 2010 a 2017. O consumo abusivo também cresceu entre elas – de 8% para 13% entre 2006 e 2019 – especialmente aquelas com idade entre 18 e 24 anos, ou seja, em idade fértil (saiba mais sobre o aumento do consumo abusivo entre mulheres em nosso vídeo).

Além disso, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, a prevalência de uso de álcool durante a gravidez na região das Américas é de 11,2% – índice próximo ao registrado globalmente, de 9,8%6. Um estudo de 2017, com 31 países da América Latina e do Caribe7, apontou que no Brasil a prevalência é ainda maior, de 15,2%. Já pesquisa realizada em maternidade de periferia da cidade de São Paulo identificou que, entre 1.964 gestantes, 33,3% ingeriam alguma quantidade de álcool durante a gestação e 21,4% o faziam até o final do período gestacional8.

Prevenção e tratamento

Não existe cura para a SAF, mas ela é totalmente prevenível. Além disso, o reconhecimento precoce das ações do álcool no bebê ou na criança permite a possibilidade de reabilitação e melhora do prognóstico9.

O tratamento das crianças afetadas pela síndrome é baseado em intervenções que envolvam diferentes aspectos afetados pela síndrome. As intervenções não medicamentosas incluem reabilitação, educação especial e suporte social, o que é efetivado por meio de uma equipe multidisciplinar, composta por pediatras, psicólogos, psiquiatras e equipes de saúde treinadas, aliados a professores que conheçam esse problema9. O tratamento medicamentoso é meramente sintomático e dirigido principalmente às manifestações do déficit de atenção e hiperatividade.10.

A SAF é 100% atribuída ao álcool, bastando evitar totalmente a ingestão de bebidas alcoólicas durante a gestação, ou ao tentar engravidar, para preveni-la. Além disso, mulheres que estejam grávidas e por algum motivo consumiram álcool, devem interromper totalmente o uso o quanto antes a fim de minimizar os riscos.

Destaca-se ainda a importância de medidas educativas e preventivas para que as mulheres sejam adequadamente orientadas, do planejamento familiar à amamentação, sobre as consequências da ingestão de bebidas alcoólicas, especialmente no período gestacional.

“A prevenção consiste basicamente em informação! Deve-se informar à população geral, em particular às mulheres em idade reprodutiva e, definitivamente, às gestantes e às mulheres que estejam tentando engravidar, que elas devem se abster do consumo de álcool: a meta é tolerância zero para álcool na gravidez e na lactação. Somente assim poderemos eliminar por completo o aparecimento de novos casos”, afirma a Dra. Conceição Aparecida de Mattos Segre, nossa Conselheira Científica e coordenadora de grupo sobre o tema da Sociedade Brasileira de Pediatria de São Paulo.

  • Referências:1. Flak AL, Su S, Bertrand J, Denny CH, Kesmodel US, Cogswell ME. The association of mild, moderate, and binge prenatal alcohol exposure and child neuropsychological outcomes: a meta-analysis. Alcohol Clin Exp Res. 2014;38(1):214-26.2. Sundermann AC, Velez Edwards DR, Slaughter JC, Wu P, Jones SH, Torstenson ES, Hartmann KE. Week-by-week alcohol consumption in early pregnancy and spontaneous abortion risk: a prospective cohort study. Am J Obstet Gynecol. 2020 Jul 13:S0002-9378(20)30725-0.

    3. Centers for Disease Control and Prevention. Fetal alcohol spectrum disorders. CDC;2018.

    4. National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism – NIAAA. Fetal Alcohol Exposure. Disponível em: https://www.niaaa.nih.gov/sites/default/files/FASD.pdf. Acesso em: 31 de agosto de 2020. NIAAA; 2019.

    5. Mesquita MA. Manifestações clínicas e critérios diagnósticos do espectro de desordens fetais alcoólicas. In Segre CAM (coord). Efeitos do álcool na gestante, no feto e no recém-nascido. São Paulo: SPSP;2017.

    6. OPAS. Riscos do consumo de álcool durante a gravidez. 2019. Disponível em: https://nacoesunidas.org/curso-virtual-da-opas-aborda-riscos-do-consumo-de-alcool-durante-a-gravidez/

    7. Lange, S., Probst, C., Heer, N., Roerecke, M., Rehm, J., Monteiro, M. G., Popova, S. (2017). Actual and predicted prevalence of alcohol consumption during pregnancy in Latin America and the Caribbean: systematic literature review and meta-analysis. Revista Panamericana de Salud Pública, 41, e89.

    8. Mesquita MA, Segre CA. Frequência dos efeitos do álcool no feto e padrão de consumo de bebidas alcoólicas pelas gestantes de maternidade pública da cidade de São Paulo. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2009;19(1):63-77.

    9. Landgren V, Svensson L, Gyllencreutz E, Aring E, Grönlund MA, Lundgren M. Fetal alcohol spectrum disorders from childhood to adulthood: a Swedish population-based naturalistic cohort study of adoptees from Eastern Europe. BMJ Open, 9 (10), e032407 2019.

    10. Petrenko CL, Alto ME. Interventions in fetal alcohol spectrum disorders: An international perspective. Eur J Med Genet. 2017;60(1):79–91.



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