Papo de Mãe

Pesquisa mostra como pais e mães brasileiros cuidam de seus filhos pequenos

Mariana Kotscho Publicado em 10/12/2020, às 00h00 - Atualizado às 13h41

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10 de dezembro de 2020


Estudo, encomendado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, mostra que pais e mães têm percepções diferentes sobre a participação paterna e traz também informações sobre o desenvolvimento infantil

Foto: Raquel do Espírito Santo

As famílias brasileiras vêm passando por uma transformação. Já não se fala mais em pátrio poder, é poder familiar (ECA, 1990). Mudou o termo, mas será que mudou também o comportamento? O homem/pai já não é mais visto como o chefe, como o que manda ou o que paga as contas. Mas ele de fato divide as tarefas da casa e os cuidados com os filhos de igual para igual com as mulheres/mães?

Há uma diferença entre o marido que ajuda e o que divide. O que ajuda ainda espera algum “reconhecimento” ao fazer algo, enquanto a mulher permanece com a obrigação para ela. Já o que divide coloca o casal numa situação de igualdade. Existe atualmente um movimento por uma paternidade mais atuante.

Talvez por isso a pesquisa “Primeiríssima  Infância – interações, comportamento de pais e cuidadores de crianças de 0 a 3 anos”   aponte um dado curioso: a divergência de percepção de atitudes entre homens e mulheres.

O levantamento analisou o comportamento de pais, mães e cuidadores de crianças de 0 a 3 anos em todo o Brasil. O estudo é bem completo e trata ainda de temas como aprendizagem, brincadeiras, depressão pós parto, amamentação, licença-maternidade, hábitos na hora de dormir e uma interação que começa ainda com o bebê na barriga.

Para se ter uma ideia sobre os cuidados com as crianças e a divisão de tarefas domésticas todos os dias, 76% dos pais afirmaram na pesquisa que participam destes cuidados, indicando que já estavam inseridos na realidade imposta pela covid-19.

Só que entre as mães, isso foi tido como fato cotidiano em apenas 56% dos casos. A controvérsia entre eles e elas se repete quando apontada a frequência da participação dos pais no banho dos pequenos, ao alimentar a criança ou colocá-la para dormir. Ou seja, o homem tem a percepção de que esteja fazendo mais, só que, na realidade, o que ele faz ainda não seja o suficiente para estabelecer uma igualdade no compartilhamento das tarefas.

A chamada “carga mental”, de tomada de decisões sobre casa e filhos, ainda fica mais por conta da mulher. Além disso, calcula-se mais de 10 milhões de mães-solo no Brasil, aquelas que não contam com a presença do pai da criança.

Capa da pesquisa – foto: getty image

De acordo com as mães, 31% reportaram a participação constante dos pais. Para eles, esse índice sobe para 46%. Vale acrescentar que as mães declararam ler e brincar com as crianças com maior frequência do que os pais (32% x 27% na leitura diária e 77% X 70% nas brincadeiras).

O mapeamento  também aponta outras questões importantes, entre elas, que o trabalho afeta a interação com os filhos. Cerca de 30% dos bebês de até 1 ano já estão expostos a TVs, smartphones e tablets (utilizados como babás eletrônicas) pelo menos 4 vezes por semana.

Oferecer eletrônicos para bebês é contra-indicado pelas entidades que trabalham com pediatria.  O pediatra Daniel Becker, que ajudou a analisar os resultados da pesquisa,  explica: “O uso de telas desacelera a formação do cérebro e o desenvolvimento. Coloca o bebê num estado passivo de não aprendizado. A superfície em duas dimensões também causa uma confusão no cérebro do bebê. A academia americana de pediatria ressalta que uma coisa é um bebê que fica no máximo uns 15 minutos por dia exposto a telas e com interação humana ao longo do dia (até dois anos se pode pode meia hora por dia, desde que com um adulto interagindo), mas alerta que não é isso que vem acontecendo. As crianças estão sendo colocadas com 6 meses  em frente a telas durante horas para ficarem quietas e isso é muito prejudicial para o desenvolvimento. Tem um efeito hipnótico. Isso é resultado de falta de apoio e desinformação.”

A pesquisa foi feita antes da pandemia. No total, participaram 1 mil homens e mulheres de todo o Brasil, entre 16 e 65 anos, representando as classes A, B, C e D.

“O objetivo da pesquisa é entender como ocorre a relação de pais e responsáveis com as crianças de 0 a 3 anos em todo o Brasil; mapear as fragilidades e sugerir aspectos onde essa relação pode ser fortalecida ou precisa de reorientação”, diz Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal.

“Sabemos que a interação com os pais ou responsáveis, avós, irmãos mais velhos, professores e outras crianças é fundamental. Esse é, segundo especialistas, um dos melhores estímulos que a criança pode receber para atingir o seu pleno potencial e, assim poder exercer seu papel de cidadão consciente, atuante e capaz de produzir benefícios nas diferentes esferas da sociedade, como economia, educação, saúde, segurança e geração de renda. Entender as interações entre as crianças e os adultos são de extrema importância. Afinal, é na primeira infância que grande parte do comportamento da criança é moldado para o resto de sua vida”, completa ela.

A pesquisa destaca a importância da interação de pais e mães com as crianças foto: Daniela Toviansky

“Primeiríssima Infância – Interações: Comportamentos de pais e cuidadores de crianças de 0 a 3 anos” foi escrito com base em uma pesquisa feita pela consultoria Kantar, em dezembro de 2019, encomendado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, com apoio da Porticus América Latina. Os resultados foram aprofundados por reflexões da consultoria Conhecimento Social, especializada em desenvolvimento infantil, e de um time de profissionais – entre eles, o médico pediatra, palestrante e escritor Daniel Becker, a psicóloga Juliana Prates, a economista Flávia Ávila, fundadora da consultoria InBehavior Lab, e Tânia Savaget, comunicadora e facilitadora de diálogos – com trajetória reconhecida nos campos de interesse da pesquisa: pediatria, psicologia, economia e comunicação.

Como a primeira infância envolve ainda outros adultos, o estudo investigou também quem são as pessoas que costumam ajudar nos cuidados e no desenvolvimento da criança. A classe D é a que mais aciona os avós da criança e conta com uma rede menor de apoio.

Já a classe A/B foi a que compareceu com a rede de apoio mais ampla, incluindo, em 10% dos casos, a presença da contribuição terceirizada de uma babá. “A rede de apoio é fundamental para que uma família possa cuidar bem de uma criança. Principalmente para a mulher no puerpério, um momento extremamente difícil, em que a mulher realmente precisa de ajuda para se cuidar e cuidar do bebê. A gente pasma ao constatar que os que mais precisam de apoio são justamente os que menos têm”, avalia Daniel Becker. A rede de apoio pode incluir o parceiro/parceira, avós, tios, amigos, vizinhos, pela sociedade e pelo poder público, o que nem sempre acontece. “Em países onde o Estado oferece proteção social, essa mulher recebe em casa serviço social, dinheiro, enfermagem. Infelizmente aqui não temos esses programas. Existe um começo, um esboço disso, no programa saúde da família e  em programas de primeira infância”.

Foto: Julio Cesar de Almeida da Silva

A Lei no 13.257/2016, também conhecida como Marco Legal da Primeira Infância, define a primeira infância como o período que abrange os primeiros seis anos completos ou 72 meses de vida da criança. A contagem do Censo Demográfico 2010, a última oficial para esta faixa etária no Brasil, aponta para uma população de 19,6 milhões de crianças na primeira infância. Na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, a fase que vai da gestação aos 3 anos de idade é tratada de forma particular, como “primeiríssima infância”, por ser considerada pela ciência o período mais nobre para o desenvolvimento das funções cerebrais de um indivíduo. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019 (Pnad Contínua 2019), esta faixa etária compreende cerca de 10 milhões de crianças no país.

Mariana Luz ressalta ainda que as relações e interações nos primeiros anos de vida influenciam diretamente  no processo de aprendizagem e no desenvolvimento integral dessa criança – físico, psicológico, intelectual e social – e, por isso mesmo, precisam ser positivas. “Estudar e conhecer como são as interações e os comportamentos de pais, mães e cuidadores é identificar os potenciais de desenvolvimento das crianças entre 0 e 3 anos. O nosso desejo é que o conteúdo deste livro seja inspirador para lideranças do setor público e do setor privado, bem como para educadores, cuidadores, profissionais da imprensa e ativistas da infância. E que ele ajude a iluminar a construção de pontes e caminhos para contribuir para o desenvolvimento das crianças em seus primeiros anos e, consequentemente, ao longo de toda a vida”.

Incentivadora de estudos como esse, Mariana conta que já está sendo realizada uma nova pesquisa sobre as relações parentais durante a pandemia.  O resultado deve sair no primeiro semestre de 2021.

Acesse aqui a pesquisa na íntegra

*Por Mariana Kotscho, jornalista 




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