Da gestação aos primeiros dois anos do seu filho: 1.000 dias de oportunidades

Roberta Manreza Publicado em 15/03/2015, às 00h00 - Atualizado às 19h46

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15 de março de 2015


Esse período é uma chance incrível para criar um padrão de boa saúde física e emocional para ele no futuro. Descubra como aproveitá-la a seguir

Por Malu Echeverria – Revista Crescer

Embora zelar pelo desenvolvimento do filho conste no “manual básico da paternidade”, nem todo pai e mãe sabe que os dois primeiros anos, especificamente, requerem atenção e esforços extras. Mais do que isso, que os cuidados com a criança começam ainda na gravidez. Cada vez mais pesquisas mostram que o início da existência do bebê é determinante para criar os padrões físico, emocional, cognitivo e metabólico dele, dali em diante.

No que se refere à gravidez, essa influência é um tanto óbvia, já que, nessa etapa, é crucial garantir que os órgãos do feto se formem e amadureçam adequadamente. As chances de alcançar o objetivo estão ancoradas em três bases: a genética, a vitalidade da placenta e a saúde da mãe, segundo Fernando Maia, chefe do setor de medicina fetal do Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz (RJ). Estima-se que os genes sejam responsáveis por 40% do processo, enquanto o restante é determinado pelo ambiente.

Para moldar o organismo
Sabemos que todas as células do nosso corpo têm DNA idêntico. Mas como cada grupo irá se formar e exercer sua função – da respiração aos movimentos intestinais? Isso é determinado por substâncias como as proteínas, que integram as moléculas de DNA e definem a maneira como os genes se expressam. O que a medicina descobriu, recentemente, é que eventos externos podem modificar tais substâncias – influência que começa na barriga da mãe.

Em uma linguagem mais simples, isso pesa na hora de estabelecer se certas características ou doenças a que o organismo é propenso vão ou não se manifestar. “Até agora, já descobrimos, por exemplo, que a exposição ao tabaco, medicamentos e ingestão de ácido fólico na gravidez, além da depressão materna, teriam essa capacidade de interferir na expressão gênica das crianças”, conta a ginecologista e obstetra Susan Murphy, codiretora do Programa de Epigenética e Epigenômica da Universidade Duke (EUA).

Bom, se já está claro por que os cerca de 270 dias dentro do útero podem mudar o curso da vida, agora vamos esclarecer as razões pelas quais os 720 dias subsequentes são igualmente importantes. Ocorre que, após o nascimento, o bebê cresce aceleradamente: durante o primeiro ano, o peso dele quadruplica e o comprimento aumenta, aproximadamente, 50%. O próximo estirão só acontece na adolescência, com menor intensidade. Já o cérebro da criança, que tem entre 300 e 330 gramas ao nascer, atingirá 900 g no primeiro ano e, a partir daí, vai crescer lentamente até chegar a 1,5 quilo da fase adulta. “Os primeiros anos de vida são um período crítico para o desenvolvimento do sistema nervoso, que se encontra muito vulnerável ao meio externo”, afirma a neuropediatra Saada Ellovitch, do Hospital Samaritano (SP).

Na área visual, por exemplo, o pico de estruturação dos circuitos neurais ocorre até o sétimo ou oitavo mês. Nesse contexto, quanto mais estímulos o seu filho receber – sem exageros, respeitando as manifestações de que está preparado para determinada conquista e considerando a fase de desenvolvimento em que se encontra –, melhores conexões as células nervosas dele farão entre si. “As áreas se interligam e se aprimoram, à medida que a criança conhece o mundo ao redor”, completa.

Em resumo, nesses mil dias, ocorre uma espécie de programação física e metabólica do que muito provavelmente irá acontecer no resto da vida, configurando um período crucial para a prevenção de doenças, para o amadurecimento dos sistemas nervoso e imunológico e também para a implantação de bons hábitos de saúde. E os pais não são apenas coadjuvantes nessa história.

O começo de tudo
De um embrião invisível, em apenas nove meses, o bebê se transforma em um ser humano de 3,250 kg (em média). A gestação, como você sabe, é dividida em três trimestres. “No primeiro, ocorre a embriogênese propriamente dita, que é a formação dos órgãos e sistemas do feto”, explica Mário Burlacchini, ginecologista e obstetra, professor do Departamento de Obstetrícia da USP e coordenador de Medicina Fetal do Fleury Medicina e Saúde (SP).

O segundo trimestre é marcado pelo desenvolvimento dos mesmos, que começam a se preparar para funcionar ainda dentro do útero. No último trimestre, ele basicamente vai engordar e crescer, ao passo que os órgãos amadurecerão. Nesse contexto, “a possibilidade de controlar os aspectos da gestação que se referem à saúde e ao estilo de vida da mãe é o maior potencial de ação da medicina”, assegura Maia. Ele reforça que o cuidado deve começar na preparação para a gravidez. “Em alguns casos, a mulher deve ajustar ou trocar de medicação previamente, caso tenha alguma doença crônica, já que nem todos os remédios são seguros na gestação”, exemplifica. Ter um peso adequado e a carteira de vacinação em dia antes de engravidar também fazem diferença.

Entre os problemas mais frequentes, que afetam o crescimento fetal, estão as doenças maternas, como hipertesão e diabetes, mais comuns em gestantes obesas, e outras mais raras, como cardiopatias, artrite e trombofilia. Além disso, infecções eventualmente adquiridas ao longo da gravidez (rubéola, citomegalovírus, hepatites e toxoplasmose, entre outras) também comprometem a saúde do bebê, o que aumenta a relevância do acompanhamento pré-natal para diagnosticá-las e controlá-las.

Para se manter saudável e controlar o ganho de peso ao longo dos nove meses, não tem segredo. A gestante deve optar por uma alimentação equilibrada e se exercitar na medida certa (e somente com o aval do obstetra). Tanto a dieta quanto o tipo e a intensidade dos exercícios devem ser planejados de maneira individualizada, de acordo com o histórico da paciente (considerando se era obesa ou sedentária, entre outros fatores).

Um exemplo clássico do que deve entrar na dieta de toda gestante (tanto em forma de suplemento como de alimento) é o ácido fólico. A vitamina, presente em vegetais verde-escuros, leguminosas e farinhas fortificadas, desempenha um papel fundamental na formação do tubo neural do feto, que vai originar o cérebro e a medula espinhal. Já a suplementação de outros nutrientes na gravidez deve ser personalizada. “O ideal é que o médico avalie como é a alimentação da gestante e cheque o que está faltando”, ensina o médico nutrólogo Carlos Alberto de Almeida, vice-presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).

Em relação aos exercícios físicos, o ideal é combinar atividades aeróbicas (caminhada, hidroginástica, etc.) com outras que alonguem e fortaleçam a musculatura. O ritmo e a intensidade, entretanto, devem ser ajustados, principalmente porque a respiração se torna mais curta e rápida na gravidez. O treino também melhora a resistência da mulher, preparando-a para o grande dia. É como se fosse um atleta praticando para uma competição!

Por fim, cada vez mais estudos mostram que o tipo de parto também traz consequências para a saúde do bebê. “Sabe-se, por exemplo, que substâncias liberadas pelo organismo da mãe ao longo do trabalho de parto são importantes para o amadurecimento dos pulmões dele”, ressalta o obstetra Burlacchini, da USP. Uma pesquisa realizada no ano passado em conjunto com universidades da Suécia e da Escócia constatou, ainda, que crianças nascidas por meio de cesárea têm a flora intestinal mais pobre aos 2 anos de idade – o que favoreceria o surgimento de alergias. A explicação estaria no fato de que, na passagem pelo canal vaginal, o bebê entra em contato com bactérias benéficas para o intestino. Isso quer dizer que vale se preparar para o parto normal.

Os dois primeiros anos
Seu bebê nasce e, antes mesmo de deixar a maternidade, vai passar por uma série de exames com o objetivo de diagnosticar possíveis problemas que possam comprometer a saúde dele. Nos primeiros dias de vida, o recém-nascido vai receber as vacinas BCG, que protege contra formas graves de tuberculose, e a Hepatite B. E muitas outras picadas virão até ele chegar à adolescência, fase em que o sistema imunológico se iguala ao de um adulto. Há também outra medida mais simples, natural e indolor de fortalecer a imunidade do seu filho em curto e em longo prazo: a amamentação.

Os benefícios são inúmeros, a começar pelo conteúdo nutricional, já que o leite materno, você sabe, é o alimento mais completo e equilibrado para o bebê. Além de anticorpos, ele também recebe prebióticos (fibras que reforçam a flora intestinal) por meio do leite.Fique sabendo que uma infância saudável vai além de exames médicos, vacinas e alimentação.

Desde a chegada da maternidade, é imprescindível estabelecer uma rotina de sono para ensinar (isso mesmo!) o bebê a dormir. Nas primeiras semanas de vida, é comum ele trocar o dia pela noite, pois o relógio biológico dele precisa ser ajustado, digamos assim. E isso acontece à medida que o cérebro amadurece, mas também depende de fatores externos. “Não existe uma fórmula, pois cada bebê é único. O jeito é construir, com a ajuda do médico, uma estratégia que funcione com o seu filho”, recomenda o pediatra Daniel Becker, do Instituto de Pediatria da UFRJ. Vale a pena o esforço, pois as vantagens de uma boa noite de sono para o bebê incluem não apenas o descanso, como a liberação do hormônio do crescimento e a fixação de tudo o que ele aprendeu, durante o dia, na memória.

A rotina, apesar do tom negativo da palavra, traz equilíbrio e segurança à criança – seja na hora de dormir, comer ou brincar. Em primeiro lugar, porque armazenamos as informações por repetição e treino. Além disso, saber o que vai acontecer ao longo do dia deixa o seu filho mais tranquilo.

Mas qual a urgência em aprender tudo isso desde cedo? Acontece que o cérebro se adapta com mais rapidez nos primeiros anos de vida – isso inclui de uma nova língua à preferência por legumes. Por falar em aprendizado, vale reforçar que esses dois anos serão um período de grandes conquistas: o seu filho vai começar a comer alimentos sólidos, a partir dos 6 meses; andar, por volta de 1 ano; pronunciar as primeiras palavras, aproximadamente com 1 ano e meio, e por aí vai…

Cada criança tem seu tempo e vencer um por um desses desafios vai depender, justamente, do grau de desenvolvimento físico, mental e afetivo dela – o que, por sua vez, terá grande influência do apoio dos pais.

Outras fontes: Filumena Gomes, pediatra especialista em desenvolvimento infantil, do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas (SP); Ricardo Monezi, psicobiólogo, da Unifesp. Tadeu Fernandes, pediatra, presidente do Departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP); Victor Nudelman, pediatra neonatologista do Hospital Israelita Albert Einstein (SP).

Dica: Assista ao Papo de Mãe sobre os primeiros MIL DIAS dos bebês:




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