Machismo e a criação dos nossos filhos

Roberta Manreza Publicado em 02/02/2017, às 00h00 - Atualizado às 11h33

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2 de fevereiro de 2017


Por Claudio Henrique dos Santos*

A Luiza, minha filha única, tinha sete anos de idade. Não gostava de bonecas ou princesas, o negócio dela sempre foi brincar com animais de pelúcia, dragões e dinossauros. Nunca havia ouvido falar em brincadeira de menino e de menina ou que menina não podia fazer isso ou aquilo. Na época, ficava mais tempo em casa com o pai, que largou a profissão para cuidar dela e da casa, enquanto a mãe dava um duro danado para desenvolver sua carreira de executiva. Em resumo, dentro da minha casa havia sido criada sem nenhum estereótipo de gênero.

Um belo dia, fomos a um parque de diversões e, depois de enfrentarmos quase duras horas de fila num brinquedo, ela ficou com medo e acabou desistindo. Até aí, tudo bem, tirando o tempo perdido… Só que alguns meses mais tarde, estamos nós dois assistindo à televisão e aparece o tal brinquedo. Com uma cara de enterro, ela olha para mim e pede desculpas por ter desistido, pois parecia muito legal mesmo.

Ora, o que há de errado nisso? Nada, não fosse a justificativa que viria depois. “Olha pai, eu não fui no brinquedo porque eu sou menina. Se eu fosse menino, eu teria ido”. Ao ver minha cara de espanto, ela ainda completou: “Ô pai, você é menino. Você sabe que os meninos são mais corajosos do que as meninas”. Foi curioso, e ao mesmo tempo triste, constatar que ela não somente aprendeu como incorporou a ideia de que os meninos têm mais coragem do que as meninas.

Tivemos uma longa conversa, que terminou comigo explicando à Luiza que homens e mulheres têm seus medos. Também temos diferenças fisiológicas (não dá para negar que na média temos mais força física do que elas, por exemplo). Mas eu nunca mais queria que ela dissesse (ou pensasse) que deixaria de fazer qualquer coisa apenas pelo fato de ser uma menina.

Depois da experiência de ser dono de casa pude perceber uma série de coisas. Ao me colocar no lugar das mulheres, prestei mais atenção ao fato de como elas ainda sofrem uma série de discriminações por conta do machismo – como a obrigação de fazer uma “jornada dupla” em casa e no trabalho (e ganhando salários mais baixos), e a violência doméstica e nas ruas – apenas para citar dois exemplos. Percebi também como o machismo prejudica aos homens, pois deixamos de ficar mais tempo ao lado dos nossos filhos, expressamos mal nossos sentimentos, cuidamos pouco da nossa saúde, sem contar a pressão para que sejamos a todo custo todo os provedores de nossas casas.

Mas foi somente depois dessa conversa com a Luiza que eu vi como o machismo acaba se impregnando sorrateiramente nas cabeças dos nossos filhos, sem que possamos controlar isso. Ele está nas ruas, nas escolas, nos programas de televisão, ora escancarado, ora subliminarmente, não importa. E cabe aos pais, como educadores, ficar calibrando essas informações, colocar esse trem nos trilhos corretos.

Queremos que nossas meninas tenham a liberdade de fazerem o que quiserem, sem julgamentos. E meninos que respeitem isso. Queremos que elas possam andar tranquilamente pelas ruas, sem sofrerem qualquer tipo de assédio, seja físico ou moral. Entretanto, ainda sobram exemplos na nossa sociedade contrariando essas noções.

Ao escrever essa coluna, lembrei de textos publicados aqui mesmo no Estadão recentemente. A jornalista Rita Lisauskas escreveu aqui no portal sobre como é difícil criar um filho não machista num mundo machista. A Mariana Kotscho, que comanda o Papo de Mãe, reportou uma conversa que teve com a filha de 13 anos, explicando-lhe que existe uma grande diferença entre um homem querer fazer uma gentileza e ter uma atitude machista. São dois exemplos que mostram a importância de conversar com nossos meninos e meninas sobre isso.

Em tempo: a Luiza hoje tem quase 10 anos e posso dizer que nossa conversa por enquanto está funcionando. Não posso garantir que será sempre assim, porque a pressão externa é grande. Mas continuo dormindo tranquilo porque sei que aqui dentro de casa estamos fazendo a nossa parte para que ela seja livre para fazer suas escolhas no futuro.

Recomendo a leitura dos textos de Rita Lisauskas e de Mariana Kotscho, os links estão aqui:

Sobre como é difícil criar um filho não machista em um mundo machista

Machismo x Feminismo

*Cláudio Henrique dos Santos é jornalista, escritor, palestrante e autor dos livros “Macho do Século XXI” e “Mulheres modernas, dilemas modernos”. Participou do Papo de Mãe sobre ‘homens que são donos de casa’.

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