Mães guerreiras: conheça a rotina de mães de UTI neonatal

Roberta Manreza Publicado em 23/07/2015, às 00h00 - Atualizado às 14h31

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23 de julho de 2015


Conheça as emocionantes histórias de mulheres cujos filhos estão ou já saíram da UTI neonatal e saiba o que você pode aprender com elas

Por Renata Guerra e Thais Lazzeri – Crescer

Deixar a maternidade sem o filho nos braços foi um dos dias mais tristes da vida de Erika de Oliveira Porcaro, 38 anos. “Eu queria descer de escada, mas não podia porque tinha feito cesárea. Então, fui de elevador e, claro, acabei vendo as outras mães (que saíam do hospital com as crianças). Foi horrível.” Noah, que nasceu prematuramente na 28a semana, ainda está internado na UTI neonatal do Hospital São Luiz (SP). Já são mais de dois meses em que Erika acorda por volta das 6h15 e, com chuva, com sol ou com trânsito congestionado, entra com o marido no hospital. Ela vai passar o dia ao lado do seu bebê.

Esperança, força e determinação são os sentimentos que movem todos os pais cujos filhos ainda (sim, para eles, receber alta é uma questão de tempo) não puderam sair da maternidade. Com o apoio de amigos, parentes, outros pais que conhecem na própria UTI e da equipe médica, as mulheres – uma vez que os homens precisam voltar mais rapidamente ao trabalho –, enfrentam jornadas de mais de dez horas dentro dos hospitais, reorganizam toda a rotina para passar ainda mais tempo com os bebês (em alguns casos, sem poder pegar o filho nos braços) e aprendem a lidar com inúmeros procedimentos e exames que o filho possa precisar. Se existe uma maneira de chamá-las, a melhor é de mães guerreiras.

Erika é uma delas. Ela não esperava que o filho nascesse prematuro. O começo da gravidez foi normal mas, no quinto mês, teve sangramentos. Não demorou muito para oparto acontecer. Foi preciso fazer uma cesárea de emergência, e ela nem viu seu bebê na sala de parto. Com 585 gramas, Noah foi direto para a incubadora. Assim como para Erika, a UTI neonatal é algo que muitos pais só descobrem que existe quando o filho é internado, como apurou a reportagem de CRESCER ao passar uma tarde em uma UTI neonatal de uma das maiores maternidades de São Paulo. A grande maioria dos pacientes é de prematuros (nascidos antes de 37 semanas de gestação) – de acordo com o Ministério da Saúde, em 2009 eles representaram 7% dos nascimentos – ou têm algum problema de saúde, como imaturidade pulmonar, doenças cardíacas congênitas ou infecções. Os pais de gêmeos são os que mais noção têm dessa remota possibilidade, mas nem por isso é mais fácil lidar com a notícia.

Fátima Ignez Bueno, 42 anos, corretora de imóveis, que fez reprodução assistida para engravidar, tinha certeza que os seus bebês iam ser internados. “Os médicos sempre me alertaram”, afirma. Ela teve trigêmeos com 31 semanas de gravidez: Fernando, Leonardo e Rafael. “Quando eles nascem e você nem os vê, fica aquela sensação de que falta alguma coisa”, diz, emocionada. “Falta pegar, olhar, e como você está com anestesia, não pode sair do quarto para vê-los na mesma hora.”

Com Noah, que nasceu de 28 semanas de gravidez, Erika deixou de ser tão imediatista. “Aprendi que tenho que comemorar as vitórias do dia a dia, e que não é sempre que vou ter o controle de tudo”, diz. Ele está internado há dois meses. (Foto: Daniela Toviansky)

Com Noah, que nasceu de 28 semanas de gravidez, Erika deixou de ser tão imediatista. “Aprendi que tenho que comemorar as vitórias do dia a dia, e que não é sempre que vou ter o controle de tudo”, diz. Ele está internado há dois meses.

Enquanto nos outros quartos da maternidade pais e bebês ficam juntos pela primeira vez, quem tem um filho prematuro ou um bebê que exige cuidados especiais fica só. Depois que a anestesia do parto cesárea passa (em casos de parto prematuro, especialmente, os médicos acreditam que esse procedimento é mais seguro),  a mãe vai em busca do filho.

A UTI onde Fátima e Erika encontraram os filhos é composta por seis salas, uma ao lado da outra. É comum ver pais que estão lá há mais tempo se cumprimentando no corredor. Médicos e enfermeiros também são cúmplices. “É imprescindível esse contato com os pais”, afirma Luiz Carlos Bueno Ferreira, médico responsável pela UTI neonatal do Hospital São Luiz, há 39 anos na área. Com o tempo, conta, cada mãe e cada pai vai se tornando especialista no problema do filho.

Os pais têm livre acesso à UTI. Os médicos sabem quão importante a presença deles é para a evolução do bebê. Avós, irmãos da criança ou parentes mais próximos, dependendo de cada caso, têm horários restritos e curtos para fazer uma visita. Quando os pais chegam pela primeira vez, é preciso sentar com eles e com a psicóloga e explicar tudo referente ao quadro do filho e quais são as perspectivas. “Eles já sentem muito estresse, e essa é uma maneira de minimizar a insegurança”, afirma Felipe de Souza Rossi, médico neonatologista da UTI do Hospital Albert Einstein (SP).

Para poder ver o filho, é necessário vestir um avental, prender o cabelo, lavar as mãos e não usar relógios (celular é terminantemente proibido!). Ao lado de cada incubadora, em muitas UTIs, fica uma ou duas cadeiras, para a mãe e para o pai. Se quiserem, podem passar a noite lá. Na hora de pegar os bebês, higienizam-se as mãos de novo com álcool em gel. A equipe médica também segue procedimentos. A regra de ouro é: manipular o bebê o menor tempo possível. Tudo é feito muito rápido, como trocar medicação ou realizar um exame. Apesar dessa movimentação, o ambiente é bastante silencioso. Os poucos sons que se ouve são o apito do aparelho dos batimentos cardíacos, o choro das crianças ou as mães conversando com elas. Livros e uma pelúcia são permitidos (para que ele fique dentro da incubadora, é preciso embalar em um plástico) e apenas quem está com o filho no isolamento pode levar música. Também ouve-se a troca de histórias e conselhos entre uma mãe e outra. “O papel das outras mães é muito importante. Talvez o que meu filho esteja vivendo agora, o filho de outra mãe já tenha passado. Você vê o progresso dos outros,  e pensa que o seu também pode chegar lá”, afirma Fátima.

Fátima, mãe dos trigêmeos (nas fotos), não se lamenta na frente dos filhos. Quando tem que chorar, é nos ombos do marido que encontra consolo. “Os bebês precisam de uma mãe forte. O adulto não pode estar aqui caindo aos pedaços”, afirma. (Foto: Daniela Toviansky)

Uma nova rotina

Se o bebê for prematuro, muitas vezes é possível apenas tocá-lo com as mãos, por orifícios da incubadora. A alimentação é feita por uma sonda (chamada de nutrição parenteral), com leite da mãe, e pode ser complementada com fórmula. Conforme a criança vai crescendo, ganhando peso e melhorando, aos poucos os médicos vão liberando pequenos privilégios que, para qualquer outro pai, seria rotina, como segurar o filho no colo. “Pego pouco eles, mas falo sempre com meus bebês. Quando cheguei aqui, expliquei que eles iam ficar numa casinha. Conto notícias, canto músicas, falo dos avós e o que tiver que fazer eu faço”, afirma Fátima.

Com ajuda da equipe de enfermagem, as mães aprendem a trocar fralda e a ordenhar no banco de leite que, em geral, os hospitais possuem para facilitar o dia a dia delas. Outra atividade é o método canguru, em que alguns bebês podem ficar junto ao peito dos pais dentro da UTI..Acontece troca de calor, a criança que faz se desenvolve melhor e o método dá mais segurança para o bebê e para os pais. No Brasil, essa é uma política pública desde 2000.

Perto da UTI, geralmente fica o espaço carinhosamente chamado de “conforto das mães”. Nessa sala, com iluminação indireta, a TV fica sempre ligada em um volume baixo, mas nunca ninguém olha com muito interesse. Também há um nicho com armários para que cada uma guarde seus pertences. Ali elas descansam, compartilham experiências e comemoram a conquista do próprio filho e também do filho das amigas – o progresso dos outros bebês funciona como estímulo. No dia em que a reportagem da CRESCER visitou a UTI neonatal do Hospital São Luiz, Noah, o bebê de Erika, tinha engordado 20 gramas – e ela ligou para o marido e dividiu a alegria com quem estava presente. Não é raro que uma mãe que chegue mais tarde saiba por intermédio de outra, pelo celular, que o filho está bem, por exemplo. A quantidade de bebês prematuros com sequelas graves ou que não conseguem sobreviver é pequena. No Hospital São Luiz, a taxa de sobrevida da UTI neonatal é cerca de 95% para recém-nascidos abaixo de 1,5 quilo. No Albert Einstein, 5% acabam tendo alguma sequela. E esses índices são considerados excelentes.

Ajuda valiosa

As mães da UTI estão sempre sendo acolhidas. Sejam pelas outras mães, pela fé, pelo especialista responsável por aquele bebê (cada criança tem seu próprio médico), pelos enfermeiros ou pelo marido, como no caso de Ana Paula Gonçalves Palma, 32 anos, procuradora federal. No fim do dia, assim que sai do trabalho, ele passa quatro horas ao lado da mulher e das filhas Beatriz (que teve alta durante a realização desta reportagem) e Gabriela, internada desde 28 de janeiro. “Quando elas nasceram prematuras, ele tirou férias para ficar com a gente. Não sei o que faria sem o apoio dele”, afirma Ana Paula, que fica 15 horas por dia na UTI. Ela lembra, emocionada, como toda essa rede de apoio é importante. “Uma das enfermeiras, que adora a Gabi, trocou de plantão e trabalhou dobrado para ficar com minha filha porque ela tinha adoecido. Isso foi especial para nós”, diz.

Assim como Ana Paula, muitas mães estão de licença-maternidade e conseguem permanecer ali o dia todo. Eliana Bragatto, 47 anos, professora de educação física e mãe de Olivia e Luca, 2 meses, precisou fazer um revezamento com a avó das crianças porque, com 30 semanas, Luca nasceu muito pequeno (640 gramas) e não recebeu alta junto com a irmã. “De manhã ficava em casa com ela. À tarde, ia para o hospital. Quando estava com um, me sentia culpada por deixar o outro. Nunca é o ideal”, diz.  Algumas mulheres, quando o filho não melhora no ritmo que imaginavam, abrem mão do trabalho para acompanhá-lo – outra opção é pedir afastamento temporário após o fim da licença, mediante atestado médico comprovando a internação do bebê.

A contadora Regiane Alves, 38 anos, mãe de Gabriela, 10 anos, e Daniel, 6 meses, decidiu parar. Ela soube na gravidez que o menino tinha problemas graves na formação óssea. Os médicos acreditavam que ele viveria por 15 minutos. Daniel está internado há 195 dias. “Nunca ficamos nos lamentando em cima dele. Sempre fico dizendo: ‘Dani, você vai melhorar’. Passaria tudo de novo para ser a mãe dele”, afirma. A filha, Gabi, visitou o irmão três vezes. “Ela sabe de tudo o que acontece”, diz.

Tudo é comemorado

O universo da UTI neonatal é repleto de simbolismo. No Dia dos Pais ou das Mães, as enfermeiras colocam bilhetes com o nome do filho na incubadora ou no bercinho (quando a criança já está com uma condição de saúde melhor, é para lá que ela vai). Quando o bebê completa um, dois ou mais meses de vida, elas enchem um balão para lembrar que ele venceu mais uma etapa. Cada passo é festejado. “A minha maior emoção é quando ele sorri. Eu costumo dar muita risada, e se ele me ouve rindo, sorri de volta também. Eu sei que é um espasmo, que de verdade ele não está sorrindo, mas é maravilhoso de se ver. Eu coloco a mão no rostinho dele e ele dá aquela risada”, afirma Erika.

Apesar desse clima de comemoração, nenhum pai fala sobre o dia da alta. “Isso é uma coisa que nunca perguntei. Gera uma ansiedade muito grande. Já ouvi que tem mãe que ficou seis meses, e achei muito tempo, e tem gente que fica só um dia. Então, para mim, é o tempo que precisar ficar”, diz Fátima.

O sonho de cada uma dessas mães, claro, todos nós imaginamos. Camilla Gorgonne, 25 anos, professora, não se esquece do dia que o realizou. Ela levou Renato, hoje com 1 ano e 5 meses, para casa, depois de quase um mês de internação. “Ele não estava com a roupinha que eu tinha comprado para ser a da saída da maternidade, mas nem me importei. Ele estava lindo!” Em alguns hospitais, quando o bebê ganha alta, naquele corredor que leva até a UTI, por onde os pais passam todos os dias, forma-se uma fila com quem estiver por ali: é o corredor dos aplausos. A enfermeira que cuidou daquele bebê passa por todas essas pessoas com a criança no colo até chegar aos pais. Durante o trajeto, o bebê recebe uma salva de palmas e de boas energias para começar uma nova vida.

Onde fica o bebê

O cantinho do bebê prematuro é a incubadora. A temperatura ali dentro varia de acordo com o peso de cada criança, mas está próxima dos 36,5º. Aparelhos para oxigenação e para medir a frequência cardíaca são o mínimo que um bebê vai ter. Se ele precisar, pode ser colocado no que afere a pressão arterial, um ventilador mecânico para ajudá-lo a respirar, acesso venoso etc.

Quem é que cuida…
…do bebê: além do pediatra neonatologista e da equipe de enfermagem, ele também é atendido por fonoaudiólogos e fisioterapeutas, que o ajudam a aprender a respirar e a mamar, por exemplo. Com as enfermeiras, as mãe aprendem a trocar as fraldas, cuidar da higienização etc;
…da mãe: muitas UTIs têm uma sala específica para acomodar as mães. No Hospital São Luiz, na sala do conforto das mães (onde pai não entra), acontecem sessões de massagens e musicoterapia a cada 15 dias para ajudá-las a relaxar um pouco. Os psicólogos passam todas as manhãs. A mãe pode procurá-los ou a equipe de enfermagem ou médica pode indicar algum caso, como os mais graves ou quando uma mãe que estava bem passa a assumir uma postura depressiva.

Essa reportagem foi publicada na edição 210 da revista Crescer

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