O jogo da desigualdade de gênero

Desigualdade: sobre como as mulheres são invisibilizadas no futebol, nas arquibancadas, nos gramados e nas diretorias dos clubes

Gabriela Sabino Publicado em 08/03/2022, às 11h13

Gabriela Sabino é diretora de Relações Institucionais da Portuguesa -

Dizem que o Brasil é o país do futebol, certo? E sabemos também que as mulheres são mais da metade da população, cerca de 52,2%. Dessa forma, como entender que, quando falamos de mulheres dirigentes em times de futebol, correspondemos a irrisórios 2,75% entre os times de série A e B do campeonato Brasileiro? Eis o patriarcado.

Desde que a Confederação Brasileira de Futebol foi criada, em 1979, nenhuma mulher ocupou a presidência e, apenas em 2020, foi criado um departamento exclusivo para o futebol feminino brasileiro. O mesmo futebol que tem Marta Silva como a maior jogadora de futebol da história do país, sendo eleita seis vezes a melhor do mundo pela FIFA. Nenhum jogador masculino conseguiu tal feito, sabia? É a maior de todos os tempos.

Se entrarmos na desigualdade brutal entre o futebol masculino e feminino no Brasil e no mundo, vemos que o abismo é muito profundo. No que tange à desigualdade salarial no futebol, sabemos que a jogadora Marta, por exemplo, recebe 340 mil euros, o que corresponde a R$ 1.495.000,00 por temporada. O valor é certamente alto. Contudo, é equivalente a 1% do salário do jogador Neymar Jr. Sem entrar no mérito dos supersalários para alguns atletas e nem desmerecendo um jogador masculino, estamos falando que a maior jogadora de futebol da história do país ganha o equivalente a 1% de um jogador homem? Isto não tem como passar batido.

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Algumas de nós tem medo de estar nas arquibancadas, as que estão em campo não são valorizadas e as dirigentes de futebol são quase inexistentes. Isso é porque mulher não gosta de futebol? Não, claro que não, isso é porque não nos foi permitido gostar. Em 1941, o então presidente Getúlio Vargas publicou um decreto que proibia as mulheres de praticarem futebol por “prejudicar a maternidade”.
O futebol feminino só foi regularizado em 1983, após muita luta de jogadoras e a relevância econômica internacional à época. O futebol não conseguiu driblar o preconceito e o machismo ainda. Uma cena clássica nas famílias é: enquanto os homens estão sentados no sofá vendo o jogo do domingo, muitas de nós estão com os filhos, cuidando dos pais ou da casa, assistindo um filme de comédia romântica e ao menor sinal de um comentário sobre o jogo, alguma piada é feita, "você não sabe nem o que é um impedimento". Claro, você pode fazer todas as atividades que quiser, mas também pode gostar de futebol e pode querer comandar grandes clubes.

Eu sou privilegiada em vários pontos e um deles é ter um núcleo familiar muito diferente da cena que eu acabei de narrar. Meu pai me contou que a primeira vez que eu entrei no estádio, não tinha nem cinco anos. Eu sou apaixonada pelas arquibancadas, tem uma energia que eu não sinto em outro lugar. O som da bateria da torcida organizada do meu time mexe com o meu coração. Todas as vezes que alguém me diz que vai assistir o jogo sentado nas cadeiras numeradas, eu fico sem entender o motivo de não sentir a energia que tem uma torcida unida, vibrando e cantando. Todas as vezes é uma emoção, e olha que eu já fui em tantos jogos da Portuguesa que não conseguiria contar.

Eu amo futebol. Meu avô era português, seu Delfim, o mesmo nome do meu pai e o grande responsável por eu torcer para a Lusa. Íamos sempre juntos, eu, ele e o meu pai ao estádio. Era o nosso programa. Sou a única neta que torce para a Portuguesa e que gosta de futebol. Era uma criança e adolescente briguenta quando alguém tentava tirar sarro de mim pelo meu time, quando ele perdia ou por não acharem ele tão grande quanto os outros. De fato, não é um time que coleciona títulos atualmente, mas aquele estádio é quase uma casa para mim e aquele time representa um elo muito importante de amor também.

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Bom, eu fui crescendo, tive fases mais próximas ao clube, ensaiei na bateria da torcida organizada, a Leões da Fabulosa, viajava de ônibus com o meu pai e vivi as melhores experiências da minha vida. O futebol faz isso com as pessoas e é realmente apaixonante e envolvente. Acabei me distanciando, estudos, trabalho, mil e outras prioridades, mas o futebol estava ali em mim e eu podia mais, eu queria realmente colaborar com a história do meu time de futebol.

Mulher quando se propõe a algo na na vida, tende a realizá-lo com excelência, não importa qual é a atividade ou o projeto. A gente não sabe fazer de qualquer jeito, a gente faz o melhor que a gente consegue. Até porque sabemos que a comparação é cruel e, se não for excelente, não há espaço de destaque para nenhuma de nós. Eis, também, o patriarcado. Aquele que nos exige sermos sempre “perfeitas”, impecáveis e as melhores sempre. Competição, competição e competição.

"Por que a desigualdade de gênero persiste tanto no futebol?" Eu me repetia essa pergunta muitas vezes enquanto tirava uma foto que me anunciaria como Diretora de Relações Institucionais da Portuguesa. Eu estava muito feliz naquele dia, mas de 5 pessoas na sala, eu era a única mulher. E é muito comum e cruel esse retrato: ocupamos poucos lugares de tomada de decisão na sociedade. Claro, sou grata pela oportunidade de trabalhar pelo meu time, mas eu tenho certeza absoluta de que aquela arquibancada do estádio do Canindé e, de muitas outras arquibancadas pelo mundo, estão repletas de mulheres competentes para assumirem mais postos de poder.

A luta é por mulheres ocupando todos os espaços que elas desejam, não importando quantas barreiras a gente tenha que quebrar para conquistar esses lugares. Muitas lutaram antes de mim para que eu pudesse estar naquela sala de diretores, mesmo incomodada por ser a única mulher naquela ocasião. Agora, a minha missão é para que eu não seja a única na sala, nem hoje e nem nunca mais.

Gabriela Sabino


*Gabriela Sabino, Diretora de Relações Institucionais da Portuguesa

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