Papo de Mãe
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Araruta, brevidades, biscoitinhos, biodiversidade e a Vovó Anita

Existem mais conexões além dos As e Bs iniciais dessas palavras do título do que sonha minha vã filosofia. E tem receita de brevidades no final

Ariela Doctors* Publicado em 15/12/2021, às 10h57

Brevidades - Foto: Ariela Doctors
Brevidades - Foto: Ariela Doctors

Dia desses, o sabor da saudade invadiu meus pensamentos e chegou a minha boca. Ah...as brevidades. Já no nome, pura poesia. O tempo entre um instante e outro. Essa lembrança repleta de cheiros e gostos se espalhou e me remeteu a um espaço-tempo nada breve em minha vida e que tem nome e sobrenome: a casa da Vovó Anita e minha infância.

As bonecas descabeladas espalhadas no sofá cor de mostarda, ao som do relógio cuco na parede, aguardavam ansiosas a saída do galo que anunciaria a hora do café da tarde. Aquele cheiro doce invadia a atmosfera fantástica daquele meu universo infantil. E lá vinha ela, minha querida avó Anita, no seu passinho manco e arrastado numa cadência mágica que fazia compasso com os ponteiros do cuco e como numa dança harmoniosa aparecia com aquela bandeja repleta de brevidades, biscoitinhos de araruta e amor. Numa mordida, era possível sentir o tempo em suspensão e, na boca, todo o afeto do mundo contido naquelas brevidades. O amor entre um instante e outro.

As brevidades são deliciosos bolinhos sequinhos e crocantes e os biscoitos de araruta se desmancham na boca ao serem comidos.

Assista ao Papo de Mãe sobre alimentação infantil

Minha avó as fazia com uma farinha fina derivada da araruta.
 Araruta é uma planta de rizoma fibroso, do qual se extrai esse polvilho finíssimo, extremamente branco, que pode ser usado no preparo de mingaus, biscoitos, bolos e...brevidades. O amido de Araruta tem características e qualidades que dão muita leveza e alta digestibilidade às receitas. Segundo a nutricionista Neide Rigo “o que se nota é que a Araruta é mais expansível e, com isso, as receitas ficam mais leves, aeradas e crocantes” (Folha de São Paulo, 09/11/2008). A araruta não contém glúten e serve como boa alternativa para substituir os derivados do trigo, da aveia ou do centeio.

araruta
Araruta

Ela é originária da América do Sul e existem indícios de seu cultivo há mais de 7.000 anos. Aqui no Brasil, os indígenas conheciam bem a planta. Os Caraíbas e os Caiapós cultivavam inúmeras variedades dela em roças, geralmente feitas por mulheres idosas da aldeia. Essas roças eram valiosos bancos destas culturas e de outras plantas tuberosas. Após a colheita, elas extraíam o amido de araruta e com ele engrossavam sopas usadas para tratar idosos e crianças e também para fortificar mulheres recém paridas.

Infelizmente, a araruta sumiu dos mercados e feiras, praticamente entrou em extinção. O caso é que, aos poucos, ela foi sendo substituída pelo amido da mandioca, nosso conhecido polvilho doce. Isso porque, a araruta produz menos rizomas num mesmo espaço de tempo que a mandioca, isso acaba por tornar seu amido mais caro que o polvilho. Com isso, a indústria optou por seguir o caminho da mandioca e deixar a araruta no passado. Fique claro, nada contra. Viva a nossa querida mandioca! Porém, dessa forma, perdemos nossa biodiversidade, seus múltiplos sabores, nossas memórias e tradições.

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Como a araruta, muitas outras espécies de plantas estão sendo esquecidas e perdidas. É muito triste perceber essa perda de pluralidade, essa pasteurização das espécies, a globalização dos sabores e a monotonia dos nossos cardápios. Fico com a impressão de que num mundo tão homogêneo, ficará cada vez mais difícil termos infâncias curiosas e inventivas. Me pergunto se ainda teremos tempo para brevidades, para o sonho e para o amor.
Traga as crianças para perto desses instantes importantes, convide-as para a cozinha. Nesse universo vasto, diverso e instigante, muitas histórias, memórias e afetos podem ser cultivados, regados e colhidos.

Aqui vai mais uma inspiração que recebi da minha querida avó, Anita!

Receita Brevidades

INGREDIENTES

  •  250 g de polvilho doce (o original é feito com araruta, mas acho difícil 
encontrar...) 

  •  200 g de açúcar 

  •  2 claras 

  •  2 gemas


MODO DE PREPARO


Unte forminhas individuais com manteiga e polvilho.

Bata as claras em neve com uma pitadinha de sal, acrescente o açúcar e bata até obter um creme esbranquiçado.

Agora, acrescente também as gemas e continue batendo. Junte o polvilho peneirado aos poucos. Unte forminhas individuais com manteiga e polvilho.

Coloque pequenas porções da massa em cada forminha, mais ou menos até a metade. Leve ao forno a 180o por meia hora, até que dourem.

Bom apetite! 


Utensílios


  • tigelas 

  • batedeira 

  • 12 forminhas para cupcake 

  • colheres 

  • peneira 

  • espátula 


Você pode acessar outras receitas no site Comida e Cultura e conhecer mais do nosso trabalho no @projetocomidaecultura e no canal de youtube Comida e Cultura.

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Ariela Doctors

*Ariela Doctors é chef, comunicadora e mãe

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