Papo de Mãe
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Fui vítima de homofobia, mas o buraco é muito mais embaixo

Semana passada fui censurado pela escola Santa Cecília, de Fortaleza, pelo fato de ser gay. Sim, isso ainda acontece em 2021. Principalmente no Brasil de 2021

Vinicius Campos* Publicado em 23/04/2021, às 00h00 - Atualizado às 14h21

Edu, Vinicius e os três filhos
Edu, Vinicius e os três filhos
Não sei se você sabe, mas além de ator, publiquei livros para crianças e adolescentes e costumo ser convidado para conversar com os alunos das escolas que adotam meus livros.

Na minha “palestra” falo sobre processo criativo, amor, respeito, falo contra o bullying, aproveito aqueles minutinhos com adolescentes sedentos de troca, e falo sobre valores que acredito serem importantes e que estão presentes no meu trabalho. Também conto quem sou, que estou casado com o Edu e que temos três filhos. Conto, naturalmente, como qualquer pai ou mãe que no trabalho comenta sobre sua família.

Só que diferente de qualquer outro pai ou mãe, um dia depois do evento, recebi um e-mail me pedindo que na próxima palestra (havia um segundo encontro agendado para alguns dias depois) eu evitasse falar sobre “esse tipo de assunto” com as crianças. Não entendi o que queriam me dizer, e a professora quando questionada, fez referência à “questão de gênero” sem nem mesmo entender o que o termo significava.

Segundo o colégio, o “momento que o país atravessa não contribui para essas colocações”. Cancelei minha participação.

Denunciei nas redes sociais, e a resposta foi positiva. Muita gente entendia que amor não é motivo de vergonha, que amor não é negativo para crianças. Que amor e família sempre são boas mensagens. Inclusive recebi um pedido de desculpas por parte do colégio.

Assunto encerrado. Só mais um caso isolado de preconceito.

E então, nesta semana, apareceu o PL 504 da deputada estadual Marta Costa, do PSD de São Paulo. Um projeto de lei que propõe basicamente proibir a presença da comunidade LGBTQIA+ nas publicidades do Estado de São Paulo, por acreditar que nossa presença é uma má influência para crianças.

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Ora, ninguém se preocupa pelas publicidades com mulheres sendo tratadas como objetos? Não lhes causa preocupação a violência presente em programas como Cidade Alerta ou qualquer uma dessas bobagens ao estilo Datena, às seis da tarde, em canal aberto, com acesso livre para qualquer criança? Hein, deputada Marta Costa, isso tudo não lhe não preocupa? Não será que um presidente fazendo gesto de arminha ao lado de uma criança é muito mais agressivo que duas mães que festejam o dia delas em algum comercial de perfume?

Desde que comecei a trabalhar com infância sempre me preocupei, e fiz todos meus esforços, e continuo fazendo, para garantir que a mensagem que chegue às nossas crianças não as ofenda, não as faça sentir excluídas e que ajude a construir seres seguros, fortes e livres.

Meninas e meninos seguros, fortes e felizes.

E para isso temos que contemplar cada uma das crianças, com suas diferenças, suas especificidades e suas realidades. Porque quando uma escola me censura, está censurando a seus alunos. Muitos deles com pais gays, tios gays, amigos gays, e talvez, muitas deles, principalmente adolescentes, já estão descobrindo sua sexualidade e precisam ser acolhidos por nós.

Quando uma escola me censura está impedindo que crianças com realidades totalmente diferentes da minha, tenham a chance de se conectar com alguém diferente e descobrir que nada é mais lindo que a diversidade e a possibilidade de trocar experiências e conviver em harmonia.

Acho fantástico e extremamente oportuno que a sociedade olhe para as infâncias.

Nossas crianças continuam sofrendo e inclusive sendo assassinadas pelos seus próprios parentes. Matéria da revista Piauí desta semana diz que no Brasil, a cada 15 minutos, uma criança dá entrada num hospital com sinais de violência, e em sua esmagadora maioria essa violência foi praticada por um familiar.

Precisamos mais que nunca de um pacto social para repensar como estamos educando nossas crianças, porque elas estão sofrendo em casa, na escola, brigando com seus amigos, sofrendo e praticando bullying, se expondo, sendo expostas. E nossos adolescentes estão cada vez mais deprimidos e os números de autoviolência e suicídio também vão crescendo.

Depois da censura da escola recebi inúmeras mensagens de adolescentes que se sentem sozinhos e desprotegidos, pedindo a mim, um completo desconhecido, um pouco de atenção e orientação.

Que triste que a escola não esteja atenta para esse tipo de demanda. Que triste que parte da sociedade não olha para nossas meninas e meninos.

Estou convencido que o amor, a literatura e o acolhimento são as armas mais eficazes para construir uma sociedade justa e proteger nossas crianças, e já está mais do que na hora que unamos forças e lutemos pelos nossos pequenos.

A votação do PL 504 foi adiada sem previsão de uma próxima data.

Vinicius Campos

*Vinicius Campos é escritor, pai de 3 adolescentes e colunista do Papo de Mãe

facebook.com/viniciucamposoficial

instagram: @viniciuscamposoficial

Assista ao programa do Papo de Mãe sobre pais gays:

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