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O que a escola pode fazer quando a birra vem dos pais e não das crianças?

O jornalista Raphael Preto Pereira, colunista do Papo de Mãe, escreve sobre quando pais e mães birrentos tentam interferir na conduta das escolas privadas

Raphael Preto Pereira* Publicado em 27/06/2021, às 07h00

Adulto também faz birra?
Adulto também faz birra?

É comum que apareçam na imprensa discussões sobre a maneira como escolas privadas ensinam. Geralmente são pais que, por pagarem por uma educação privada, se julgam capazes de decidir o que e como a escola deve ensinar alguma coisa.

A quizumba mais recente veio de São Paulo, onde um grupo de pais manifestou seu descontentamento com a leitura da obra “O Diário de Anne Frankie”, que seria usada nas disciplinas de inglês.

O barulho foi tão potente que a instituição de ensino adotou uma solução simples. Ofereceu, rapidamente, uma segunda opção de leitura para quem julgasse necessário. Tudo isso foi noticiado, mas, acredito eu, sem a devida problematização da questão.

Trata-se de abrir uma discussão necessária e imperativa sobre até onde um pai, ou mãe, pode se meter no projeto pedagógico da escola e em seu currículo. O primeiro fato a se destacar é o de que geralmente este tipo de “incômodo” curricular só acontece nas escolas privadas. O fato de pagar por um “serviço”, isto é, o “ensino”, parece embutir nos pais ou responsáveis um superpoder de definir aquilo que é ensinado nas escolas. Bem polêmico.

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Vamos imaginar que um grupo de pessoas extremamente religiosas pague uma escola cara para seus rebentos. Pense num valor que você considera alto. Agora, multiplique ele por dez: seria este o valor da mensalidade da escola.

Baseados em valores ardentemente religiosos, eles resolvem se reunir com a responsável pela escola e pleitear uma mudança. Eles estão cientes de que, se educação é serviço pelo qual se paga, o “pleito” vira imposição. Questionam o fato de os jovens e adolescentes aprenderem biologia na escola. São todos adeptos do criacionismo e foram educados seguindo esses preceitos, e, portanto, não há necessidade de que eles aprendam isso na escola.

A diretora da escola tenta argumentar. O conteúdo é importante para o vestibular, serve para que os filhos entrem em uma boa faculdade e mantenham um bom padrão de vida.
Nada disso sensibiliza os queixosos. A diretora, sem opção, demite o professor de biologia e substitui a matéria na grade curricular da escola por classes de ensino religioso. Qual seria o impacto disso na vida dos estudantes?

A primeira coisa que aconteceria é que os estudantes, aqueles com quem os professores convivem todos os dias, teriam plena convicção de que os seus pais mandam e desmandam na instituição de ensino. Sendo assim, na primeira discussão entre aluno e professor, a cartada do “sou eu quem pago seu salário”, seria certamente utilizada.

Com isso, os educadores perderiam o respeito, e com o tempo desenvolveriam uma autocensura nefasta, pois, temeriam tocar mesmo sem querer em algum ponto sensível para os pais.

Escolas particulares podem pedir a um pai que não está feliz com o método de ensino para matricular seu filho em um lugar que seja mais do seu agrado. Toda escola tem um projeto pedagógico, e espera-se que tenha também valores e uma missão que pretende cumprir.

Se a escola não consegue defender suas ideias sobre a maneira de ensinar e abre mão dela recuando no primeiro percalço, isto sim, é motivo de preocupação. Já é complicado aturar birra de criança, mais inaceitável ainda é malcriação dos pais.

*Raphael Preto Pereira é jornalista, repórter e colunista do Papo de Mãe

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