Papo de Mãe
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O que a vida está tentando te ensinar?

Trocar a lente do olhar da vida é uma escolha. Uma escolha de ser mais gentil com você, com a sua família e com as pessoas com quem convive

Mariana Wechsler* Publicado em 11/03/2022, às 09h00

Quando desligamos o piloto automático, um olhar basta
Quando desligamos o piloto automático, um olhar basta

Eram mais ou menos 4 horas da tarde quando eu terminei de arrumar a mesa do lanche, juntei as louças que as crianças tinham usado, coloquei os talheres na pia, o sol estava forte para aquele horário e eu me perguntei se o sol iria segurar só mais um pouquinho enquanto eu conseguiria sair com as crianças para pegar o último raio de luz.

Enquanto elas corriam pela sala, observei se as roupas ainda estão cabendo, talvez os pés tenham crescido, aproveitei para conferir o tamanho dos sapatos. Passei pela cozinha e verifiquei a quantidade de frutas e verduras que ainda tinham, será que o soro do nariz está acabando?

Verifiquei na agenda a data da reunião da escola, amanhã é dia do brinquedo, vou separar o lanche do piquenique, amanhã eu compro a lembrancinha do aniversário do amigo. Vou ligar para a Bia para saber se ela empresta aquela jarra de suco para a festa. Enquanto andava pela casa, aproveitei para pegar alguns brinquedos que estavam no chão e fui colocando tudo no seu lugar.

Nesse dia eu estava sentindo como se uma nuvem bem carregada de chuva estivesse parada sob meu corpo, as pernas pesadas e a cabeça avisava que a tempestade estava por vir.

Eu decidi que eu precisava entender o que estava acontecendo. Eu precisava ouvir o que meu corpo estava falando e descobrir qual era o nome daquela chuva que estava caindo torrencialmente no meu peito.

Dar nome para os processos, para a nossa dor, para o que sentimos é uma das coisas mais valiosas na jornada do autoconhecimento. Porque para além dos inúmeros benefícios, dar nome para as nossas coisas, para aquilo que estamos sentindo deixa a gente mais perto da solução real daquela angústia, daquele problema. É o caminho mais eficiente para lidar com as nossas dores. 

Às vezes nos sentimos angustiadas e decidimos fazer algo para resolver aquilo que estamos sentindo, mas sem saber o motivo, a razão, o porquê daquela angústia, acabamos fazendo coisas que acabam aumentando a tempestade.

Nosso corpo pede algo que a gente não pode dar, então a gente faz o que a gente pode. Tem gente que bebe, tem gente que come, tem gente que compra, tem gente que muda a casa inteira. Tem gente que faz tudo isso em busca daquilo que falta dentro do peito.

Não faz grande diferença ter um, dois ou mais filhos, a tempestade existe para todas e ela vem.

Deitamos, exaustas, tendo a impressão que fomos atropeladas pela vida. Dormimos cada vez menos, com a sensação de que corremos por dias. Uns dias conseguimos cumprir com os objetivos e percebemos que não sobrou mais nada: nem energia, nem tempo. Outros dias, vamos deitar pensando: esquece, deixa para amanhã! Tem dias que não nos sobra ar.

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Costumo dizer que “podemos carregar muitas coisas, só não conseguimos carregar uma mala mais pesada que o nosso corpo.” E nessa esfera da nossa vida, na parentalidade, é igual.

Esta foi uma das grandes aprendizagens que a maternidade me ensinou. Sou aquela pessoa que quer agarrar o mundo com os braços e que tem uma energia que parece infinita, mas só parece. Neste estilo de vida corrida que muitos ainda vivemos, aprendi que se quero passar bem pela minha vida, preciso me conhecer e respeitar meus limites.

Algumas compreensões doem, mas proporcionalmente tem a força de fazer mudar a nossa rota, de alcançar a nossa transformação. Podemos pensar que os dias de sol vem com a ausência de problemas, quando não há nuvens carregadas no céu, mas se olharmos para o céu o sol estará lá mesmo com as nuvens ao seu redor.

As nuvens se multiplicam, quando uma se vai, aparece outra. Se for preciso esperar todas as nuvens irem embora para apreciarmos a beleza do dia, esse dia vai demorar para chegar. Trocar a lente do olhar da vida é uma escolha. Uma escolha de ser mais gentil com você, com a sua família e com as pessoas com quem convive, apesar de tudo o que você possa estar passando. Trocar as lentes é seguir um caminho mais gentil, “apesar de”. Tem sempre o “apesar de”.

As lentes que compõe nosso olhar são compostas pelas experiências, emoções e pensamentos. São elas que forjam as nossas memórias. E nossas memórias são a base que molda nossos comportamentos, nossos hábitos, é o gatilho de nossas reações.

Aquele mantra de que “nós somos capazes de transformar a nós mesmos” parte desse princípio. Porque o mundo e as pessoas podem mudar várias vezes e nós podemos simplesmente nem perceber isso, se antes não tivermos transformado nosso olhar para eles.

Mas essa transformação não acontece rapidamente, aliás… nem existe velocidade. É o tempo da vida. Enquanto vivermos estaremos nos transformando, de um jeito ou de outro. Consciente ou não.

Não é sobre ignorar os dias de tempestade, isso seria alienação. Trocar as lentes não é ignorar as emoções mais complexas e achar que precisa viver sempre feliz, isso seria negação. Não é viver uma vida sem problemas e sem angústias, isso seria ilusão.

Trocar as lentes é entender que existem dias nebulosos. É ter clareza para conseguir perceber onde a tempestade se manifesta. É ter a responsabilidade de lidar com as chuvas torrenciais e entender, também, que não se tem controle sobre algumas delas. É perceber que, às vezes, a vida pede uma mudança de atitude em relação ao que não está sob nosso controle. Às vezes, o que a vida quer é simplesmente uma mudança no olhar.

E você que está lendo isso e pensando, “como posso ajudar essa mãe, qual meu papel diante disso?”

Se pergunte, qual o seu papel no seu trabalho, na sua vida pessoal, o que que eu posso fazer para que essa mãe consiga enxergar o sol?

O que essa mãe precisa é de acolhimento, precisa de ajuda, precisa de bons amigos, precisa ter os seus direitos garantidos, ela precisa descansar, ela precisa de uma boa escola para os seus filhos, ela precisa de apoio e de bons profissionais. O que ela realmente não precisa, é da sua opinião e do seu julgamento.

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Se escute, sinta as emoções que cada palavra traz, encontre os caminhos de conforto e acolhimento naquilo que é falado e acredite em cada vírgula que você coloca nas suas frases. Você não conseguirá esconder um sentimento. O escapismo pode ser forte e perigoso para sua saúde mental. Esteja tranquila em aceitar o sentimento que surge e tenha consciência de que você precisa se ouvir.  

E veja. É o mundo interno do adulto que alimenta o mundo interno da criança. Nós somos os tradutores da vida para elas e não podemos nos ausentar desse papel que eleva a mentira ou o disfarça para a realidade.

As crianças precisam da nossa honestidade porque isso é para a criança como a margem é para um rio. Coloque atenção nas suas palavras, busque ajuda com profissionais para construir o diálogo se for preciso.

Olhe para seu filho e saiba que mais importante do que saber o que está acontecendo, ele precisa sentir que vai ficar tudo bem. E o mesmo vale inteiramente para você mesma.

Esteja presente ao ponto de entender os seus olhares mais do que as palavras, mais do que os gestos. Porque quando desligamos o piloto automático, um olhar basta.

Por isso, pratique o olhar como hábito diário e cuide das suas emoções, que muitas vezes falam mais alto e estabelecem a maneira como nossas crianças observam o mundo e se observam.

E como diria minha avó, seja sempre sua melhor amiga, seja fantástica consigo mesma.

MARIANA
Mariana Wechsler e os filhos

*Mariana Wechsler, Educadora Parental, especialista em educação respeitosa, budista há mais de 34 anos e formada em Comunicação. Mãe de Lara, Anne e Gael. Escreve sobre parentalidade consciente, sobre os desafios da vida com pitadas de ensinamentos budistas e suas experiências morando fora do Brasil, longe de sua rede de apoio. Acredita que as mães precisam aprender a se cuidar e se abraçar, além de receberem apoio e carinho. Sempre diz: “Seja Fantástica! Seja sempre a sua melhor amiga”.

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