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Prazer, sou mãe e lidero uma plataforma de petróleo

Clarisse Rodrigues é casada com Lidiane, tem um filhinho de 2 anos e lidera uma plataforma de petróleo. Conheça a história dela

Clarisse Rodrigues* Publicado em 29/03/2022, às 07h51

Clarisse e o filho João, de 2 anos - Foto: arquivo pessoal
Clarisse e o filho João, de 2 anos - Foto: arquivo pessoal

A maioria das pessoas fica imaginando como deve ser a minha vida quando digo que trabalho no setor offshore, ou seja, em parte do tempo da jornada na empresa fico embarcada em uma plataforma de petróleo. E a surpresa cresce ainda mais quando digo que lidero essa sonda de exploração com mais de 180 colaboradores a bordo. A fisionomia muda e muitas questões logo surgem: como consegue? Tem apoio? Como é a rotina embarcada? Já tem filho? Como é sua vida?

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Clarisse na plataforma de petróleo



Confesso, não é fácil. Mas gosto muito do que faço e faço com muita disciplina, foco e determinação. Tenho 41 anos e hoje sou gerente-geral da sonda Norbe IX, da empresa de óleo e gás Ocyan. Atualmente, a embarcação está a 145km da costa, perfurando poços na Bacia de Campos, mas fazemos poços também na Bacia de Santos e Bacia do Espírito Santo. A Norbe IX já fez mais de 40 poços na costa brasileira.

Mas o caminho foi longo até chegar aqui – muito maior que o trajeto que faço de helicóptero quando preciso ir até a sonda. O interesse por essa área de petróleo foi despertado depois de um mestrado em Engenharia quando desenvolvi a dissertação sobre poços de petróleo. Ainda solteira e sem filho, trabalhei em projetos de exploração no Brasil e em outros países da América Latina e sempre achei a área muito interessante. Afinal, o petróleo ainda é a energia que move o mundo e o Brasil um dos países mais importantes para o setor, posição alcançada com uso intensivo de tecnologia.

Na sequência, fui convidada para trabalhar no projeto de construção de plataformas chamadas Norbe VIII e Norbe IX na Coréia do Sul. No final da construção destas plataformas, fui convidada a trabalhar na gestão da plataforma Norbe IX. E então, desde 2013 sou a gerente-geral da sonda, onde estou até hoje.

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Essa é uma área muito interessante, complexa e desafiadora. Por isso, meus olhos brilham com o trabalho. Toda plataforma de petróleo é uma grande fábrica e operá-la junto com a equipe traz muitos desafios, que englobam sobretudo atenção total à segurança e a gestão das pessoas, além de preocupação com a operação porque a sonda trabalha dia e noite, 24horas por dia, 7 dias por semana. Temos também a preocupação com a manutenção e o relacionamento com cliente para o qual trabalhamos e que é o “dono do poço”. Todas essas atividades estão sempre conectadas em uma engrenagem que necessita funcionar de forma harmônica para se ter o resultado de excelência que buscamos.

Mas nesse caminho, um outro desejo foi sendo processado e amadurecido: o da maternidade, que sempre caminhou ao lado do meu trabalho. A vontade de ter um filho enfim se tornou realidade há três anos, quando minha esposa e eu decidimos viver esse sonho. João chegou em 2020 para aquecer ainda mais a nossa família.

clarisse e esposa
Clarisse, o filho João e a esposa Lidiane



Minha companheira e eu temos uma relação de muito respeito, lealdade e amor, por isso, tem sido tão duradoura. Uma apoia a outra, compartilhamos as nossas conquistas e problemas e, assim, tudo fica mais leve. Quando se tem uma pessoa para dividir a vida, de forma saudável, é mais fácil administrar todos os desafios. O nosso reizinho, João, coroa nossa relação todos os dias. Ainda pensamos em ter outro filho ou filha porque agora as coisas devem ser mais fáceis.

O desejo da maternidade, que consegui concretizar, pode ser o de qualquer mulher que trabalha no ambiente offshore e ele deve ser apoiado pelas empresas. Na Ocyan, onde estou há quase 15 anos, há um programa de Diversidade, direcionado para valorização da mulher no trabalho. A empresa também liderou a criação de um movimento “O Mar Também é Delas” para mobilizar o setor e atrair cada vez mais mulheres para a área.

Entendo que esse seja um caminho a ser seguido por todas as outras companhias do setor. Ser mulher neste ambiente não é fácil. Somos tratadas sim, como ‘diferentes’, e o machismo estrutural nos faz ter que trabalhar mais para provar o tempo todo que somos mais uma ‘integrante’ tão competente quanto “eles”. É nossa luta permanente para não sermos vistas de forma depreciada. E a nossa competência nessa atividade é tão nítida que a sonda que eu lidero tem outra mulher em posição estratégica, a comandante da embarcação, Carla Malafaia. E outras de nós estão ali, fazendo seu trabalho com destreza.

Empresas do setor de petróleo, e de outros cuja maioria dos colaboradores é do sexo masculino, devem pensar em todos os aspectos da vida de uma profissional para estimular a contratação delas e criar ambientes que favoreçam a permanência feminina nas atividades. É necessário que as empresas pensem nestas possibilidades e “abracem” essa mulher que trabalha a bordo e que queira engravidar - é importante lembrar que durante a gestação as grávidas ficam em terra. Ao se tornarem mães, as mulheres adquirem uma habilidade única: se tornam multitarefas com extrema facilidade, uma qualidade que, se bem acolhida, faz uma enorme diferença porque se tornam cada vez mais agregadoras e contribuem para o desenvolvimento do grupo no qual atuam. Mas para que expressem essas qualidades é preciso acolhimento.

Acho que cada mulher deve fazer o que quiser, principalmente, quando se fala em maternidade. Todas as áreas profissionais têm vantagens e desvantagens. Trabalhar embarcada tem a desvantagem de ficar 14 dias a bordo, mas, em contrapartida, ou outros 14 dias são de folga total. Além disso, o salário do setor é mais alto do que os daqueles que permanecem em terra. Esse é um dos motivos pelos quais precisamos dar a elas a oportunidade de seguir essa carreira. Cabe às empresas, acolher essas profissionais da melhor forma possível.

Por favor, mulheres, sintam-se à vontade aqui no ambiente offshore. E lembrem-se: o mar também é nosso.

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Clarisse Rodrigues



*Clarisse Rodrigues  é gerente-geral da sonda Norbe IX da Ocyan.

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