Papo de Mãe

Tribunal de Justiça de São Paulo afasta juiz que desdenhou da Lei Maria da Penha

Órgão especial do Tribunal de Justiça decidiu pela abertura de processo administrativo disciplinar e pelo afastamento das funções enquanto durar o processo. 

Roberta Manreza Publicado em 28/04/2021, às 00h00 - Atualizado em 01/05/2021, às 00h34

Imagem Tribunal de Justiça de São Paulo afasta juiz que desdenhou da Lei Maria da Penha
28 de abril de 2021


Órgão Especial do Tribunal de Justiça decidiu pela abertura de processo administrativo disciplinar e pelo afastamento do juiz das funções enquanto durar o processo. 

Por Rodrigo Simon*

Em sessão realizada nesta quarta-feira (28), o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu pelo afastamento cautelar e pela abertura de Processo Administrativo Disciplinar contra o juiz Rodrigo de Azevedo Costa.

Reprodução de tela da audiência on-line de hoje  do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Como mostrou reportagem do Papo de Mãe em dezembro do ano passado, em pelo menos 3 audiências da Vara de Família em São Paulo o juiz destratou mulheres e desdenhou da Lei Maria da Penha. “Se tem Lei Maria da Penha contra a mãe (sic), eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça”, declarou.

Na votação desta quarta-feira, os membros do colegiado acompanharam o voto do corregedor geral de Justiça de São Paulo, desembargador Ricardo Mair Anafe, que rejeitou a defesa do juiz, apresentada pelo advogado Julio Cesar de Macedo, decidindo pela abertura da investigação. Por maioria, determinaram também o afastamento do magistrado, nos termos do voto do presidente, Desembargador Geraldo Pinheiro Franco.

Em janeiro deste ano, por decisão do próprio Tribunal de Justiça, o juiz deixou a Vara de Família na Freguesia do Ó, na zona noroeste da capital paulista, e foi redesignado para auxiliar as varas de fazenda pública do Foro Central de São Paulo. Com a decisão do Órgão Especial, ele ficará afastado de suas funções até que o Processo Administrativo Disciplinar seja concluído. Neste período, ele continuará recebendo salário.

No decorrer da leitura de seu voto, que somou 55 páginas, o corregedor chegou a classificar de “surreal” algumas das declarações do juiz. No entanto, explicou que, por se tratar de um afastamento cautelar durante a apuração dos fatos, que estão gravados, sem possibilidade de Azevedo Costa influenciar testemunhas, não entendeu ser necessário o afastamento.

O presidente do TJ-SP e do Órgão Especial, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, acompanhou o voto do Corregedor pela abertura do processo, mas acrescentou a necessidade de afastamento do magistrado. “Confesso que em mais de 40 anos de magistratura, eu nunca tinha presenciado um fato dessa gravidade”, declarou.

Os magistrados que se manifestaram a favor do afastamento também criticaram duramente as atitudes do juiz Rodrigo de Azevedo Costa.

Para o desembargador Francisco Antônio Casconi, o afastamento é necessário pelo fato do juiz “não reunir a menor possibilidade de continuar judicando”. O desembargador Luis Soares de Mello disse que a leitura do processo causou desconforto tal, a ponto de “causar incômodo estomacal”. Por fim, o desembargador Antonio Celso Aguilar Cortez disse ter chegado a se questionar se, durante as audiências, o juiz Rodrigo de Azevedo Costa “gozava de plenas capacidades de suas condições mentais”.

O Orgão Especial do TJ-SP terá agora 140 dias para concluir o Processo Administrativo Disciplinar. O prazo pode ser prorrogado.

As penas disciplinares previstas pelo Conselho Nacional de Justiça são: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade e aposentadoria compulsória.

*Rodrigo Simon, jornalista

Entenda o caso da denúncia feita pelo Papo de Mãe

Em dezembro, o Papo de Mãe publicou reportagem revelando a conduta de um juiz numa audiência de Vara de Família em São Paulo.  Sem levar em consideração que um das partes é vítima do ex-companheiro num inquérito que apura violência doméstica, o juiz afirmou que não está nem aí para a Lei Maria da Penha e fez outras afirmações inaceitáveis. Veja abaixo algumas transcrições de momentos retirados da audiência, que durou 3 horas e meia.

Juiz : “Vamos devagar com o andor que o santo é de barro. Se tem lei Maria da Penha contra a mãe(sic) eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça”. (Advogadas tentam interromper e ele não deixa)

Juiz : “Qualquer coisinha vira lei Maria da Penha. É muito chato também, entende? Depõe muito contra quem…eu já tirei guarda de mãe, e sem o menor constrangimento, que cerceou acesso de pai. Já tirei e posso fazer de novo”.

Juiz : “Ah, mas tem a medida protetiva? Pois é, quando cabeça não pensa, corpo padece. Será que vale a pena ficar levando esse negócio pra frente? Será que vale a pena levar esse negócio de medida protetiva pra frente?

Juiz : “Doutora, eu não sei de medida protetiva, não tô nem aí para medida protetiva e tô com raiva já de quem sabe dela. Eu não tô cuidando de medida protetiva.”

Juiz: “Quem batia não me interessa”

Juiz: “O mãe, a senhora concorda, manhê, a senhora concorda que se a senhora tiver, volto a falar, esquecemos o passado….”

Juiz: “Mãe, se São Pedro se redimiu, talvez o pai possa…..”

F.: “Eu tenho medo”

(vamos lembrar aqui que F. já sofreu violência doméstica e o juiz insiste numa reaproximação dela com o ex)

Juiz: “Ele pode ser um figo podre, mas foi uma escolha sua e você não tem mais 12 anos”

(No trecho acima, ele insinua mais uma vez culpar a vítima pelas agressões sofridas, reafirmando a declaração de que “ninguém apanha de graça”)

Veja a repercussão do caso aqui.

Veja também:

“Dá para adoção”, disse juiz Rodrigo de Azevedo Costa em outra audiência

Em novo vídeo, juiz que falou da Lei Maria da Penha afirma: “Será que vale a pena levar esse negócio de medida protetiva para a frente?”.

Maria da Penha se diz estarrecida: “Para além do lamentável, a questão me causa indignação”

Como a violência institucional chega a atuar contra as mulheres no judiciário brasileiro

Juiz Rodrigo de Azevedo Costa se manifesta




DestaquesDireitos da mulherHomeNotícias