Papo de Mãe

A difícil decisão de ser mãe de filho único e autista

Roberta Manreza Publicado em 09/12/2015, às 00h00 - Atualizado em 10/12/2015, às 10h45

Imagem A difícil decisão de ser mãe de filho único e autista
9 de dezembro de 2015


 Por Andréa Werner, jornalista e redatora do blog Lagarta Vira Pupa

Ouvi de uma colega de trabalho, certa vez, que “ter filhos é uma decisão emocional, e não racional”. Fez todo o sentido naquela época, quando eu ainda ia me casar. Afinal, se a gente para e decide analisar friamente a situação – e, principalmente, para somar dois mais dois – a conta não fecha.

Os principais benefícios de se ter um filho são emocionais. Ponto. Algumas pessoas podem dizer “ah, mas o filho vai cuidar de mim quando eu ficar velho”. Eu acredito que não deveríamos encarar filhos como previdência social. Ninguém merece já nascer com uma missão dessas. E, como eu bem sei, nem tudo sai como a gente planejou.

Como toda mulher que sonha em ser mãe, idealizei um filho. O que recebi em meus braços, simplesmente, não coube naquela forminha mental que eu lapidei durante anos. Meu Theo tem 7 anos, é lindo, tem os olhos mais expressivos que eu já vi, rostinho de anjo e sapequice de moleque. Adora sorvete, passear de carro, viajar de avião e montar na Lola – nossa Golden Retriever – como se ela fosse seu pônei. Theo é autista. Não fala, mas aprendeu muito bem a se comunicar por meio de figuras. Tem vencido inúmeros desafios que seu corpo lhe impõe no dia-a-dia. Mas a maior chance é que eu cuide dele até o fim da vida, e não o contrário.

O primeiro impulso dos pais de primeira viagem que recebem um diagnóstico desses é “precisamos ter outro filho para que ele cuide do irmão quando já não estivermos mais aqui”. E, na mesma consulta médica – ou na próxima -, acabam tocando no assunto com o doutor especialista. E é quando ele diz, tentando passar o máximo de empatia: “pais que têm um filho autista possuem uma chance maior de ter um segundo ou terceiro com a mesma condição”. Uau! Para tudo! Como assim?? Quer dizer que eu não corro o risco de deixar um filho autista desamparado no mundo, mas dois ou três??

E esta é a hora de ir chorar no cantinho, no colo da mãe, abraçada ao marido, e começar a pesar os riscos dessa decisão. E, para isso, precisamos de dados confiáveis, certo? É aqui que morre a tal “decisão emocional de ter filhos”.

Uma pesquisa publicada no Jornal Pediatrics* em 2011 mostrou que a chance de ter um segundo filho com autismo é de 18,7%. Parece pouco, mas é muito superior à chance da população em geral, pouco abaixo de 1%.

Com essa jaca em mãos, pensamos, pesamos e decidimos (SIM, porque ter filhos, ainda mais nessa situação, é uma decisão DO CASAL). Theo vai ser mesmo filho único. Não foi fácil. Doeu. Ainda dói. E ainda repassamos e revisamos essa decisão a cada ano. Mas sabemos, no fundo do coração, que é definitivo. Ainda mais agora que acabei de fazer 40 anos, o que eleva ainda mais esse risco.

andrea

Muitas pessoas, tentando ajudar, me disseram “eu acho que você devia arriscar”. Mas, gente, arriscar o quê? E se vier outro autista? Não existe meio termo nessa situação: ou o resultado vai ser ótimo ou vai nos deixar em situação ainda mais delicada. E ainda há o risco de ter outro filho, o autismo não se manifestar, mas ele não demonstrar o menor interesse em cuidar do irmão. E agora, José?! Como eu mesma disse lá em cima, não devemos encarar filho como “previdência social”.

Chegamos a considerar adoção e até procuramos o órgão responsável aqui na Suécia. Acontece que, em um país com aborto legalizado e planejamento familiar decente, não há crianças abandonadas em abrigos. A maioria absoluta das crianças adotadas aqui vêm de países da África e da Ásia, e o processo pode demorar até 5 anos. Provavelmente, não estaremos mais na Suécia em 5 anos…

O que nos restou então? O plano A: trabalhar o máximo que conseguirmos a independência do Theo. E o plano B (que até se sobrepõe ao A): tentar deixá-lo com uma boa folga financeira, formar uma rede de apoio em torno dele, morar em países que possuam residências assistidas dignas para pessoas como ele ou, se voltarmos para o Brasil, lutar para que elas sejam criadas.

E o que resta ao Theo? Curtir o lado bom de ser filho único: presentes melhores, um quarto grande só pra ele, atenção exclusiva dos pais, lugar garantido entre os 2 na cama e viagens legais de férias garantidas.

Minha irmã e melhor amiga costuma dizer que “não existem respostas fáceis para as grandes questões da vida. A gente faz as escolhas e lida com as consequências”. Nós fizemos a nossa. E vamos, aí, gerenciando as consequências para que as boas se sobreponham às mais difíceis.

Como uma boa otimista, continuo acreditando e fazendo a minha parte para que tudo saia da melhor forma no futuro.

*Link da pesquisa na Pediatrics: http://pediatrics.aappublications.org/content/early/2011/08/11/peds.2010-2825.abstract

 Andréa Werner é mãe, jornalista e redatora do blog Lagarta Vira Pupa

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