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Conflitos de interesses na amamentação? Temos. E muitos

Como fica a proteção à amamentação quando uma executiva de fabricante de fórmula infantil é nomeada assessora em nutrição pública na Inglaterra e na Irlanda do Norte?

Dr. Moises Chencinski* Publicado em 07/06/2021, às 10h27

Aleitamento materno e os conflitos de interesse
Aleitamento materno e os conflitos de interesse

Uma notícia recente (06/06), publicada no jornal inglês “The Sunday Times”, chamou minha atenção.

Stephen Donnelly, o ministro da saúde da Inglaterra, e Robin Swann, seu homólogo da Irlanda do Norte, nomearam uma executiva sênior da Danone, fabricante de fórmulas infantis, para um cargo de assessoria em nutrição pública.

Claire Mac Evilly é diretora de assuntos corporativos da Danone Irlanda, onde suas responsabilidades incluem a promoção e o crescimento das marcas Cow & Gate e Aptamil. Ela foi indicada para o comitê consultivo da Safefood, uma agência de todas as ilhas encarregada de promover a segurança alimentar, nutrição e alimentação saudável.

Já volto a esse tema. Agora, leia, pense e responda as perguntas abaixo:

- Você participaria de uma carreata pelo trânsito seguro promovida por uma empresa de bebidas alcoólicas?

- Você iria a uma caminhada contra o câncer realizada por uma empresa de cigarros?

- Você apoiaria uma campanha contra a violência que fosse realizada por uma empresa de armas?

Você consideraria isso uma ação “bonita” das empresas ou acha que isso seria “feio” (para usar termos bem simplórios)?

Respostas complicadas, não é? Sabe por quê?

As ações são ilegais?

Não. Não há lei que proíba alguma empresa ou alguém de promover uma atividade como essa (caminhada, carreata, manifestação).

As ações são éticas? Elas são morais?

Aí é que vem a dúvida e as respostas são as mais variadas.

Mas não deveriam ser.

Veja também: 

Como existem conceitos filosóficos que podem dificultar nossa compreensão, vamos ao dicionário para uma “definição objetiva”.

LEI:

Regra jurídica, de enunciado claro e conciso, estabelecida por uma autoridade constituída, o legislador, que tem seu poder delegado pela soberania popular. Tudo que é juridicamente obrigatório.

ÉTICA:

Conjunto de princípios, valores e normas morais e de conduta de um indivíduo ou de grupo social ou de uma sociedade.

MORAL:

Conjunto de regras de conduta estabelecidas e admitidas por um grupo social numa época determinada.

Mesmo tentando ser objetivo, não é sempre fácil compreender.

Posso te confundir um pouco mais?

CONFLITO DE INTERESSES

O Código de Ética Médica e o Conselho Nacional de Saúde fazem menção aos conflitos de interesse. A resolução RDC 96/2008 da ANVISA afirma que “os palestrantes de qualquer sessão científica que estabeleçam relações com laboratórios farmacêuticos ou tenham qualquer outro interesse financeiro ou comercial devem informar potencial conflito de interesses aos organizadores dos congressos, com a devida indicação na programação oficial do evento e no início de sua palestra”.

Qual a real intenção para que uma empresa que vende armas promova uma campanha contra violência, uma empresa que produza cigarros realize uma caminhada contra o câncer ou uma empresa que comercialize bebidas alcoólicas promova uma carreata pelo trânsito seguro?

Seria mudar sua imagem, apesar de continuar na sua produção e com seus lucros, ou seria uma ação sincera, sem segundas intenções, apenas por entender que é importante pensar e prevenir a violência, o câncer e os acidentes de trânsito?

Eu tenho documentos que comprovariam qualquer uma das possibilidades? Não.

Eu posso garantir, sem medo de errar, que eu sei qual seria a real intenção de cada uma dessas ações? Não.

Eu acreditaria na idoneidade e na boa vontade de cada uma dessas empresas em suas ações? Eu não.

Assim, da mesma forma, qual seria a real proposta de uma diretora de assuntos corporativos da Danone Irlanda, que promove as marcas Cow & Gate e Aptamil, no comitê consultivo da Safefood, para promover a segurança alimentar, nutrição e alimentação saudável?

Indicação ilegal? Não.

Indicação ética e moral? Na minha opinião, não.

E assim, o aleitamento materno tem sua própria legislação mundial de proteção, através do Código Internacional de Marketing de Substitutos de Leite Materno (1981) e, no Brasil, uma lei (NBCAL - 2006) e um decreto (2018), que trazem as informações importantes e necessárias para esclarecer quais são os cuidados que uma empresa, uma instituição de saúde ou um profissional de saúde que trabalha com mães e crianças de 0 a 36 meses, devem tomar para estarem dentro da lei, de uma forma ética, moral e sem conflitos de interesses.

Tema da Semana Mundial de Aleitamento Materno de 2021:

Proteger a amamentação: uma responsabilidade de todos. 

Tema 2021: Proteger a amamentação: uma responsabilidade de todos
Tema 2021: Proteger a amamentação: uma responsabilidade de todos.  

*Dr. Moises Chencinski é pediatra e homeopata.

Presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo (2016 / 2019 – 2019 / 2021).
Membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (2016 / 2019 – 2019 / 2021).
Autor dos livros HOMEOPATIA mais simples que parece, GERAR E NASCER um canto de amor e aconchego, É MAMÍFERO QUE FALA, NÉ? e Dicionário Amamentês-Português
Editor do Blog Pediatra Orienta da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
Criador do Movimento Eu Apoio leite Materno.

Assista ao Papo de Mãe sobre salas de apoio à amamentação. 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Papo de Mãe. 

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