Papo de Mãe
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Covid-19 e a morte. Como falar sobre o tema com as crianças?

Uma oportunidade de se falar de morte, de ritual de despedida e de luto com as crianças

Ana Paula Yazbek* Publicado em 31/03/2021, às 00h00 - Atualizado às 12h35

A morte da minhoca: uma oportunidade de conversar com as crianças sobre perdas, rituais de despedida e luto, assuntos tão presentes nos dias de hoje com a Covid-19
A morte da minhoca: uma oportunidade de conversar com as crianças sobre perdas, rituais de despedida e luto, assuntos tão presentes nos dias de hoje com a Covid-19

Assisti a uma filmagem feita recentemente na escola que eu dirijo. A cena começa com uma criança encantada pela movimentação de uma minhoca que se contorcia ao se deslocar. Num primeiro momento, a criança aproxima seu olho para ver o que o bichinho estava fazendo. A minhoca começa a balançar e a se deslocar pelo chão, então a criança dá um gritinho, coloca-se de pé e parece imitar sua movimentação. Depois, chama outra criança para ver o bichinho. Com uma pequena casca de árvore na mão, esta outra criança começa a mexer na minhoca com delicadeza. Em seguida, uma terceira criança se aproxima, ela está com uma faquinha de plástico na mão, corta a minhoca ao meio e depois a pica em muitos pedacinhos. As três crianças ficam observando a minhoca “se desintegrar” no chão. A cena termina com a primeira criança saltitando e falando “a gente esmagou a taturana” e cada uma das crianças se dirige para um local diferente.

Quem comentou sobre esta cena foi a coordenadora da escola, numa orientação com as educadoras desta turma. Ela falou que sentiu falta da intervenção de um adulto para mediar a situação e dar acolhimento à primeira criança que tinha se encantado com a minhoca.

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A educadora que fez a filmagem disse que ficou em dúvida sobre o que fazer e acabou deixando a cena desenrolar entre as crianças, mas depois ficou pensando que deveria ter feito alguma coisa.

Ainda, sem ter visto a cena entrei na conversa. Falei que seria uma oportunidade contextualizada de conversar com as crianças sobre a morte. Uma temática tão presente nos dias de hoje, pelos boletins diários que anunciam o número de pessoas mortas pela Covid-19 e, também, frequente no imaginário infantil, abastecido pelas histórias, contos de fada e filmes de heróis.

Concordo com a coordenadora que a cena ter se encerrado sem a presença da linguagem, não foi a melhor escolha. Obviamente, não penso que as crianças agiram de modo inadequado ou moralmente recriminável, mas acredito que seria importante que os adultos as ajudassem a decodificar suas ações e revivê-las pela narrativa para que entrassem em contato com o que fizeram de outra maneira.

Se fosse possível voltar no tempo, proporia à educadora que deixasse de filmar e entrasse na cena com as crianças. Quando a segunda criança começou a cutucar o bichinho com a casca da árvore, ela poderia se fazer presente, perguntando o que estavam vendo ou fazendo. Caso não desse tempo de impedir a ação da terceira criança (que realmente foi muito rápida), poderia ter lançado algumas perguntas como: O que aconteceu? Para onde foi a minhoca? Por que você fez isso? O que a gente pode fazer agora com estes pedaços da minhoca?

Enfim, seria uma oportunidade de se falar de morte, de ritual de despedida, de luto, de respeito aos pequenos animais da natureza… Mesmo que não houvesse um envolvimento emocional (emotivo), as crianças dariam vazão às suas ideias sobre a morte, não apenas de forma excitada, como ocorreu, mas com a possibilidade de pensar e sentir sobre seu significado.

Algo que passamos a vida inteira tentando decifrar e lidar com alguma normalidade.

Ana Paula Yazbek

*Ana Paula Yazbek é pedagoga formada pela Faculdade de Educação da USP, com especialização em Educação de Crianças de zero a três anos pelo Instituto Singularidades; iniciou mestrado na FEUSP em 2018 e está pesquisando sobre o papel da educadora de bebês e crianças bem pequenas.

É sócia-diretora do espaço ekoa, escola que atende crianças de toda Educação Infantil (dos 0 aos 5 anos e onze meses). Além de acompanhar o trabalho das educadoras, atua em cursos de formação de professores desde 1995 e desde 2002 está voltada exclusivamente aos estudos desta faixa etária.

Assista ao programa do Papo de Mãe sobre perdas:

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