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"Sou filha da lei", diz Claudia, filha de Maria da Penha, que está lançando livro

Claudia Fernanda Veras é autora do livro "Sou Filha da lei, sou filha do Rei", em que fala da violência doméstica sob a ótica dos filhos das vítimas

Mariana Kotscho* Publicado em 12/12/2021, às 14h40

Claudia Fernanda, filha de Maria da Penha - Foto: arquivo pessoal
Claudia Fernanda, filha de Maria da Penha - Foto: arquivo pessoal

"Reencontrei meu pai em 2018 após 35 anos. Precisava de algo que trouxesse vida para quem tá morto. Quem pratica o mal não tem conexão com Deus. O perdão que você concede traz mais benefício para você do que para o outro", diz Claudia Fernanda sobre o pai, Marco Antonio Heredia Viveiros, que em maio de 1983 atirou na mãe, Maria da Penha, enquanto ela dormia.

A maioria das mulheres que sofrem violência doméstica é formada por mães. Isso quer dizer que seus filhos e filhas também são vítimas - diretas ou indiretas. Muitas vezes são crianças e adolescentes que também são agredidos psicologicamente ou fisicamente. Só de ver uma mãe sendo xingada, isso já é uma agressão para uma criança.

Claudia Fernanda Veras, de 43 anos, foi uma criança vítima da violência doméstica. Filha do meio, ela é irmã de Viviane, de 45, e de Fabiola, de 40. Quando as tres tinham menos de 7 anos, estavam dormindo em casa, em maio de 1983, na madrugada em que o pai atirou na mãe que dormia. A mãe delas é Maria da Penha Fernandes, a mulher que dá nome à lei que é considerada uma das melhores do mundo para proteger mulheres vítimas de violência.

penha e filhas
Maria da Penha e as filhas Fabíola, Claudia e Viviane

Em agosto, a Lei Maria da Penha completou 15 anos. Muitos avanços aconteceram neste período e muitas mulheres tiveram suas vidas salvas, mas o Brasil ainda ocupa um triste 5o lugar entre os países que mais matam mulheres no mundo. Mulheres que deixam orfãos 1, 2, 3 ou mais filhos de uma vez.

Assista entrevista completa de Mariana Kotscho com Claudia Fernanda

Claudia não ficou órfa porque Maria da Penha sobreviveu não só para poder cuidar delas, mas ainda lutar por tantas outras mulheres. Ela e as irmãs também eram agredidas pelo pai e ainda ficaram morando 5 meses com ele enquanto a mãe se recuperava do tiro e não sabiam ainda que ele era o autor do disparo.

Maria da Penha não voltou a andar e passou a depender de uma cadeira de rodas, mas isso nunca a limitou e até hoje ela continua atuante - até online em diversos eventos durante a pandemia. Ela também é presidente do Instituto Maria da Penha, que faz um importante trabalho inclusive da prevenção da violência doméstica, e publicou o livro "Sobrevivi e posso contar".

Mas agora é a vez de Claudia contar sua história no livro "Sou Filha da Lei, Sou Filha do Rei", em que conta a sua versão dos fatos, sob a ótica de uma criança, e de como conseguiu superar só na vida adulta tudo o que vivenciou na infância.

Nós todas temos um grande orgulho de ter a Maria da Penha como mãe. Digo isso por mim e pelas minhas irmãs também. Mas por muito tempo pra mim foi um peso porque eu via uma mulher tão forte e olhava pra mim com tantas fraquezas, cheia de dores. Mas hoje minha liberdade está restaurada, sou aberta para dizer de quem eu sou filha e falo que Graças a Deus que foi ela, porque Deus precisava da pessoa certa, na hora certa, para cumprir um papel na sociedade. A lei está aí e exerce papel fundamental para salvar a vida de mulheres". (Claudia Fernanda Veras)

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Assim como a mãe, Claudia mora em Fortaleza. Formada em educação física, é casada e tem duas filhas, Julia, 12, e Esther, 7. Maria da Penha, que está com 76 anos tem 6 netos no total. "Ela é uma ótima avó, só não consegue estar mais presente por causa da agenda lotada", diz Claudia sobre a mãe que segue atuante na luta contra a violência doméstica.

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Maria da Penha e Claudia em Fortaleza, CE

O livro de Claudia "Sou Filha da Lei, Sou Filha do Rei, está disponível na internet e ela está fazendo uma campanha arrecadação para financiamento coletivo para conseguir imprimir exemplares também. É possível contribuir clicando aqui.

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Claudia com o livro em mãos

Coloco no meu livro marcas que a violência doméstica deixa na vida de uma criança e que ela pode carregar na vida adulta, que foi o meu caso. Espero ser um pouquinho a voz que ela (Maria da Penha) foi para as mulheres, um pouquinho desta voz para os filhos". (Claudia Fernanda Veras)

Para a autora, os filhos da violência doméstica vivem as mesmas dores e, muitas vezes, vivenciam as mesmas mentiras ou experiências. No caso dela, foram 5 meses longe da mãe, que ficou internada se recuperando, e vivendo com o pai sem saber que ele era o autor do disparo e sem entender o que tinha acontecido com a mãe para ela "desaparecer". A criança pequena, sem entender, pode ter uma sensação de abandono da própria mãe - que na verdade ainda lutada para continuar viva. 

No livro, Claudia Fernanda narra seu caminho para conseguir superar os traumas, algo que ela revela só ter alcançado depois dos 40 anos, recentemente: "É possível recomeçar. Eu ainda vivenciava as consequências do que vivi. É preciso dar voz aos filhos que ainda estão presos na dor."

Cada vítima pode buscar esta cura de uma maneira, seja com amigos, terapia, seja na espiritualidade ou na religião. No caso de Claudia, foi se conectando ainda mais com Deus, se aprofundando em ensinamentos da bíblia. Para ela, em tudo há um propósito. "A história de minha mãe despertou na sociedade a consciência de que violência doméstica é crime. A criação da Lei Maria da Penha foi um marco social e jurídico", afirma a autora que também relata ter sido somente após ela decidir olhar para dentro de si que se viu algoz de sua própria história. Ela diz que se aproximando de Deus ela compreendeu que "não somos definidos pelo que fizeram conosco, mas sabendo quem somos em Deus conseguimos ressignificar as nossas dores e mudar as próximas páginas da nossa história."  Por isso Claudia colocou no título também Filha do Rei (Deus). E Filha da Lei porque as pessoas a apresentavam como "Essa é a Claudia, filha da Maria da Penha" e vinha a pergunta: "A da lei?". 

Em 2018, após 35 anos sem contato, Claudia encontrou o pai: "Levei amor para ele e falei que o perdoava. Isso não apaga as consequências de algo errado, mas nos transporta do lugar de amargura para o lugar de amor. Perdoar traz vida! Acessamos um benefício inimaginável quando decidimos perdoar. É como se houvesse um fôlego novo dentro de nós.  O perdão que você concede traz mais benefício para você do que para o outro, tirei um peso das costas. Não trago mágoas".

Claudia conta que a mãe chegou a ler o livro 5 vezes e é a autora do texto de  apresentação que, segundo ela, "ficou muito lindo". 

A mensagem do livro é mostrar também a importância de quebrar o ciclo de violência para que estes filhos e filhas não venham a reproduzir os comportamentos - nem de maneira passiva nem ativa, ou seja, nem sendo vítima nem agressor. "É preciso construir famílias saudáveis. Tratar do coração das mulheres, dos homens e dos filhos", finaliza Claudia Fernanda.

Acompanhe também @euclaudiaveras e @institutomariadapenha

claudia e filhas
Claudia Fernanda com o marido e as filhas

*Mariana Kotscho é jornalista, repórter do Papo de Mãe e comentarista do Bem Estar da TV Globo

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