Papo de Mãe
» INCLUSÃO

É a pessoa com deficiência que precisa se adaptar à instituição de ensino ou é a escola que deve estar pronta para recebê-la?

Educação inclusiva é muito mais do que rampas, elevadores, carteiras adaptadas para a pessoa com deficiência, piso tátil ou placas em braille

Thaissa Alvarenga* Publicado em 01/09/2021, às 07h00

Gil é cadeirante e cursa jornalismo
Gil é cadeirante e cursa jornalismo

Este rapaz nas fotos é o Gil, um estudante universitário no curso de jornalismo. As fotos foram tiradas em frente à instituição onde ele estudava. A rampa fica ao lado dessa grande escada. Bom, então talvez você possa pensar: problema resolvido para uma pessoa com deficiência que usa cadeira de rodas, certo? A realidade é que na prática, não é tão simples assim. Para chegar até a faculdade, Gil percorreu um longo trajeto de ônibus, depois nas ruas e calçadas e após subir pela rampa, entrou em um elevador que tem um adesivo indicando que é somente para pessoas com deficiência, mas que é usado por pessoas que não têm deficiência. Gil então, saiu do elevador e entrou na sala, porém sua carteira adaptada não estava lá. Mais uma vez, ele teve que chamar um funcionário para solicitar algo que nem devia ter sido retirado do lugar. 

gil
Gil enfrenta barreiras para conseguir chegar até sua sala de aula

Os desafios do ensino inclusivo, no Brasil, vão muito além de rampas, elevadores, carteiras adaptadas, piso tátil direcional ou placas em braile nas portas.

Recentemente Gustavo, de 9 anos, um estudante autista que vive em Porto Velho (Rondônia), foi retirado da sala de aula por uma alegação de que a escola não tinha ninguém para cuidar dele. Sua mãe Mabel Colares fez uma gravação do momento e compartilhou na web. O desabafo chegou até o apresentador Marcos Mion, que usou seu Instagram para dar voz à mãe. Infelizmente, o caso dessa família não é único. Milhares de pais e mães diariamente encontram desafios similares. Mas como isso aconteceu, se existe a lei Berenice Piana, que garante a educação de estudantes com TEA (Transtorno do Espectro Autista), em qualquer rede de ensino?

Veja também

Assim como dito pela mãe de Gustavo, a inclusão, em 99% do tempo, está apenas no papel. Quem tem filho com alguma deficiência sabe que é muito comum chegar em uma escola e perguntar: vocês fornecem material adaptado? E a resposta da escola é: - Sim, nós temos. Porém, o que se vê na prática é que a instituição usa o material do 1° ano para ensinar a criança com deficiência no 3° ano. Isto não é material adaptado, isto não é inclusão.

Por mais que o cenário da inclusão tenha evoluído ao longo das décadas, os estereótipos criados em nossa sociedade, atitudes capacitistas, falta de preparo de educadores, falta de estrutura dentro dos prédios das instituições de ensino em todos os níveis, do infantil até a graduação, só aumentam a distância entre alunos com deficiência dos outros alunos e diminuem grandemente sua capacidade de viver em um mundo que pertence a eles também. O impacto não é só na escola, pois a criança um dia se tornará um adulto que não encontrará um ambiente de trabalho que atenda às suas necessidades, diminuindo assim seu potencial de contribuir na sociedade. Uma capacidade diminuída não por causa da deficiência e sim por causa da falta de inclusão.

Então, não seria mais fácil colocar todos os alunos com deficiência em uma escola específica para eles? A pergunta é: mais fácil para quem? Esse é um caminho curto e confortável para alguns, apenas por um breve momento, que apenas trará transtornos irreversíveis para uma sociedade. Na área da educação, o protagonismo deve ser do aluno e não da instituição. Uma escola só existe porque tem alunos. Sem eles, ela é apenas um lugar vazio. 

Gosto muito de falar sobre empatia, mas hoje vou escolher outra palavra: alteridade, que vem do latim, em sua origem “alteritas”. O radical alter significa “outro”, enquanto itas remete a “ser”, ou seja, em sua raiz, alteridade significa “ser o outro”. 

Ser o outro na escola, ser o outro no trabalho, ser o outro no ponto de ônibus. Ao perceber que o “eu” deve conviver com outros, podemos alcançar sim, uma inclusão em todos os setores da sociedade. 

*Thaissa Alvarenga é criadora da ONG Nosso Olhar, do portal de conteúdo Chico e suas Marias e do canal do youtube Inclua Mundo.

ColunistasThaissa AlvarengaInclusão