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‘Not Mothers’, uma opção a que todas deveriam ter direito

A maternidade não deve ser uma obrigação e sim uma opção das mulheres, e que deve ser sempre respeitada

Mariana Lacerda* Publicado em 06/04/2022, às 06h00

Ser ou não ser mãe?
Ser ou não ser mãe?

“Quando é que você vai ser mãe?” Em pleno século XXI, se você é mulher e tem entre 25 e 35 anos, eu aposto que escuta essa pergunta em toda reunião familiar, Natal e eventualmente até mesmo do seu grupo de amigas com filhos.

Apesar do papel de mãe aos poucos estar sendo revisto na sociedade moderna, a curiosidade alheia sobre a opção de uma mulher por ter ou não ter filhos vem embutida de uma forte pressão sócio cultural, capaz de constranger tanto aquelas que acalentam o sonho ainda não realizado de engravidar quanto as que, por qualquer motivo, deixaram a maternidade definitivamente fora de seus planos.

Na sociedade ideal, engravidar ou não deveria ser uma opção exclusiva da mulher, pois diz respeito, exclusivamente, a seu próprio corpo. Mas, nesse aspecto, a realidade, ainda hoje, não se mostra assim tão condescendente com o sexo feminino. As próprias mulheres cobram a maternidade umas das outras. E nessa cobrança está intrínseco que o dever biológico de procriar para preservar a espécie cabe à mulher.

Assista entrevista com Jaqueline Vargas, autora do livro "Aquela que não é mãe"

Esse pensamento, além de conter um resquício de controle patriarcal que, por meio da maternidade, prende a mulher em casa, romantiza, na figura da mãe, o ícone do único amor verdadeiro. Como se este fosse ungido por uma bênção divina e que aquela mulher/mãe fosse abençoada e nunca pudesse reclamar de seu estado. Enquanto a outra mulher/não mãe sofresse de uma maldição e amargura por não ter sido agraciada pela benção da maternidade.

À luz da razão, todos esses argumentos caem por terra, mesmo que negá-los gere sempre grande polêmica. Em um planeta superpovoado, que carece de governantes com consciência ambiental e com ações economicamente sustentáveis, é assim tão crucial colocar um filho no mundo? E quem pode provar que a mulher que não tem filhos é incapaz de amar? Tantas de nós somos capazes de fazer muito pelos outros por meio de seu trabalho – acaso isso não se configura expressão de amor?

Inúmeras mulheres, até hoje, precisam optar pelo sucesso profissional em detrimento da maternidade. E quando optam pela profissão ou simplesmente decidem não ter filhos por vontade própria, a sociedade ainda não encara isso como uma decisão consciente e alimenta nessa mulher o fantasma do arrependimento. Quantos homens precisam escolher entre ser pais e largar os empregos que amam ou o contrário?

Temos visto o movimento “Not Mothers” (ou NoMo) crescer em vários países: segundo uma pesquisa global realizada pela farmacêutica Bayer, com apoio da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e do Think about Needs in Contraception (TANCO), no mundo, o índice de mulheres que afirmam não querer ter filhos chega a 72%. No Brasil, esse número é de 37%.

Escolher não ser mãe e conseguir manter essa decisão ainda é um privilégio a que nem todas as mulheres têm acesso, no Brasil, e por mais que o número de mulheres que não querem ser mães seja significativo. Conforme relatório lançado em 2021 pelo Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), no ano de 2020 a cada mil brasileiras grávidas 53 são adolescentes entre 15 e 19 anos. Em 2019 houve uma redução para 14,7% de partos de adolescentes no país, porém, apesar da redução, o Brasil tem cerca de 19 mil nascimentos ao ano, entre mães de 10 a 14 anos.

A gravidez na adolescência se torna mais crítica quando o número de meninas que engravidam e abandonam os estudos é significativo. Estudos da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, apontam que, em 2019, quase 30% das mães adolescentes não terminaram o ensino fundamental. Isso reflete na vida profissional dessas meninas, muitas deixam de vivenciar planos e sonhos futuros porque precisam parar tudo para cuidar de seus filhos.

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A questão é, todas as mulheres deveriam ter o poder de escolher se querem ou não ser mães, e isso não pode ser um tabu. Independente da escolha de cada uma, o essencial é que todas tenham acesso à educação sexual e apoio das políticas públicas para que possam fazer o que quiserem e como quiserem.

As adversidades são muitas, mas, na medida do possível, cada uma de nós deve fazer da escolha de ser ou não ser mãe uma opção consciente. Livre de remorso, culpa ou constrangimento e alheia a qualquer tipo de pressão.

*Mariana Lacerda, advogada e gestora pública, é porta-voz (presidente) da Rede Sustentabilidade no Estado de São Paulo

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