Educação infantil: desafios para o melhor início

A educação infantil é uma fase muito importante, que vai criar a base para os anos seguintes da formação da criança. Reportagem de Vini Campos

Vini Campos* Publicado em 26/05/2022, às 06h00

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Parceria Institucional:

Quem é da minha geração, com certeza já escutou pais e mães dizendo que pagam fortunas na escola e que isso é um desperdício porque a criança só brinca. Também há aqueles que acreditam que a construção de escolas de qualidade nas periferias é um gasto desnecessário e que filho de pobre não precisa de luxo. Sim, a educação ainda é vista como um artigo de luxo e não como uma necessidade básica para que nossas crianças se desenvolvam da melhor maneira e possam ter um presente saudável e um futuro promissor.

A educação infantil no Brasil não é tratada com a seriedade e importância que têm. Países desenvolvidos entendem que o investimento nessa etapa da vida traz melhores retornos do que qualquer outro. Mas aqui a gente ignora esse dado. Tanto nós da sociedade civil, como grande parte dos políticos que nos governam. 

Educação infantil de qualidade

Semana passada conversei com duas professoras que desenvolvem um trabalho importante na educação infantil e na formação de professores. Minha primeira pergunta foi: como é uma educação infantil de qualidade?

Cristiane Backes Welter, coordenadora da especialização Pedagogia das Infâncias, da Universidade Caxias do Sul, disse: "educação infantil de qualidade é aquela que acolhe a criança." Segundo Cristiane, o brincar é fundamental, pois é a partir da brincadeira que as crianças entendem o mundo e se educam. A professora ainda ressaltou quatro pilares para garantir uma educação potente: "o cuidado, o brincar, as interações com os pares e a educação pensada para olhar a criança em sua multiplicidade".

Minha outra convidada, a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Denise Carvalho Lopes, disse que uma boa escola é aquela "onde a criança esteja feliz, segura e aprendendo, se desenvolvendo e avançando em seu conhecimento".

Ela ainda ressalta a importância de que as atividades propostas não sejam rígidas, onde o papel da criança não seja meramente a reprodução, mas que essa criança participe, tome parte, e explore aquilo que está sendo proposto.

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Eu me lembro que, quando estava na educação infantil, me davam folhinhas para aprender as primeiras letras, os primeiros números e quando alguém aprendia a ler antes do ensino fundamental, se festejava como uma grande conquista.

Mas parece que a visão de educação infantil tem mudado há muitos anos e é importante que, no Brasil, se entenda que a educação infantil não é uma preparação para o ensino fundamental. Crianças com menos de seis anos têm coisas mais importantes para aprender antes de serem introduzidas à leitura.

Denise disse que é importante "que elas possam se expressar em múltiplas linguagens e não só na linguagem escrita." Quanto mais a criança explorar diferentes linguagens na educação infantil, mais preparada estará para ter uma educação fundamental de qualidade.

Vagas

A educação infantil no Brasil está dividida em duas partes. A primeira, que vai do 0 a 03 anos e que não é obrigatória, ou seja, os pais podem ou não matricular seus filhos nesse período. Segundo Denise, a educação para bebês é importante no desenvolvimento da criança, porque "o bebê ganha em ampliação das oportunidades de vivências." Sem contar que as creches também são fundamentais para que as mães e pais possam sair para trabalhar com a certeza de que seus filhos estarão recebendo o cuidado necessário para seu desenvolvimento.

Apesar disso, hoje, no Brasil, somente 36% das crianças desta faixa etária contam com vagas nas creches. Muitas delas frequentam estabelecimentos particulares. Ou seja, aquela mãe periférica, que precisa trabalhar para garantir a comida de sua família, na maioria dos casos, não tem onde deixar seus filhos. 

A meta do Plano Nacional de Educação (PNE) é de que 50% das crianças tenham acesso à creche até 2024 e, para que isso aconteça, precisam ser criadas um milhão e quinhentas mil novas vagas nos próximos dois anos. Um desafio que seria possível se o governo atual tivesse investido no setor mas, segundo Denise, os últimos anos foram de puro caos e desmantelamento da educação. 

A professora ainda explicou que muitos municípios, já que a educação de zero a três anos não é obrigatória, só aceita a matrícula de crianças com mais de dois anos, deixando as famílias sem nenhuma alternativa.

Quando falamos sobre a educação para crianças entre 04 e 05 anos onde, sim, existe a obrigação de que frequentem instituições de ensino, os números são melhores, porém não ideais. Nem preciso dizer que o ideal seria que todas as crianças tivessem vagas, afinal, além de superimportante é obrigatório, mas somente 96% encontram uma escola para estudar. E claro, esses números variam de Estado para Estado, e fiquei surpreso ao saber que o nordeste brasileiro é a região com melhores índices (96%), já o Sul, região rica, tem apenas 92,5% das crianças matriculadas e no Sudeste (94,5%).

Para alcançar a meta de 100% até 2024 é preciso abrir 300 mil novas vagas. Não parece nada impossível, mas para isso o novo governo precisa ter real comprometimento com a educação e vontade política.

Minhas convidadas ainda fizeram um alerta. As diretrizes mundiais falam cada vez mais sobre a importância do ensino em tempo integral, não só pela criança, mas também para que os pais possam trabalhar. E quando se fala em tempo integral no nosso país, o problema é muito mais profundo. A porcentagem de educação integral, no Brasil, representa 58% das vagas das creches e somente 11% das vagas do ensino infantil.

De quem é a responsabilidade?

A educação infantil, segundo a lei, é uma obrigação dos governos municipais, e neste ano, vamos votar para os governos estaduais e federal. Perguntei a elas sobre o papel dos governadores e do presidente em relação à educação infantil e se eles podem fazer alguma coisa para melhorar a situação que estamos vivendo.

Segundo a Denise, "é papel do Governo Federal e dos governos estaduais criar políticas, programas e ações que possam mobilizar os municípios"

Ela disse que desde o começo dos anos 90 muitas ações foram colocadas em prática e que houve um avanço importante na educação das nossas crianças, principalmente entre 2003 e 2016, porém todas essas iniciativas começaram a ser desmontadas a partir do golpe contra Dilma e, desde então, a educação vem enfrentando um verdadeiro caos.

Cristiane chama a atenção para o Programa Pró-infância, que fornecia recursos aos municípios para a construção de escolas. Muitos municípios brasileiros tiveram sua primeira escola a partir deste programa. A professora disse que os prédios foram construídos com o que havia de melhor e que viraram referência para toda a comunidade. Porém, esse programa também deixou de receber investimento.

Outra ação fundamental é o olhar para a formação dos professores. Para se trabalhar na educação infantil ainda se aceitam profissionais com formação no ensino médio. Ora, se nossas crianças não são educadas por profissionais com boa formação, é óbvio que sua formação não será aquela que gostaríamos que nossos filhos recebessem. 

Os governos federais e estaduais podem e devem atuar na formação dos profissionais, propondo formações continuadas e melhorando o conhecimento dos professores para que isso se veja refletido nas práticas educativas.

Precisamos de "... propostas pedagógicas que respeitem as especificidades das crianças de zero a cinco anos" - complementa Denise.

Aprendi muito no papo com as professoras, e apesar de ficar incomodado ao ouvir que a educação foi tratada como lixo nos últimos anos, acho que agora tenho ferramentas para escolher meus próximos governantes.

A professora Cristiane disse que  "não adianta (o candidato) colocar no programa de governo que defende a educação", ela quer saber como será essa defesa? Quais as propostas? Qual será a participação dos conselhos? Segundo ela, para melhorar a educação, precisamos escutar todos os setores da sociedade.

Já para a Denise, na hora de votar, vai contar: "a história do candidato e sua relação com a educação. Como ele pretende ampliar as vagas para cumprir a meta no PNE e como serão as políticas nacionais de formação dos professores".

A gente escuta muito as pessoas dizendo que a solução está na educação mas, na prática, nosso país não prioriza a educação das nossas crianças. Não adianta nada que meu filho frequente a melhor e mais cara escola da cidade, se os filhos dos outros, das outras, os filhos de todas, não têm acesso a uma educação de qualidade. Precisamos formar crianças saudáveis, fortes, pensantes e com capacidade de explorar o mundo. E na hora de apertar o botão da urna eletrônica estamos escolhendo o modelo de país que queremos ser. 

A conversa com as professoras está no link abaixo. Assista, anote o que achar bom, e compartilhe com os amigos. Só sendo muitos vamos conquistar uma educação melhor para os filhos de todas.

Vini Campos

*Vini Campos é ator, jornalista de formação e escritor de coração. Pai de três adolescentes, está cursando a pós-graduação "Pedagogias das Infâncias" na Universidade de Caxias do Sul e há três anos é colunista do Papo de Mãe. Esta coluna tem o apoio institucional do Instituto Mpumalanga

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