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"Convivi anos em união estável e depois formalizei por escrito": como fica a questão dos bens?

Como ficam os bens adquiridos antes da formalização da união estável? Os advogados Douglas Ribas Jr. e Carlos Alberto de Santana* explicam

Douglas Ribas Jr. e Carlos Alberto Santana* Publicado em 13/03/2022, às 11h22

O contrato de união estável é um documento simples assinado em cartório
O contrato de união estável é um documento simples assinado em cartório

Diz-se que convivente é a pessoa que vive em união estável, seja ela solteira, separada de fato ou judicialmente, viúva, divorciada, ou, até mesmo, para alguns, casada. Trata-se de qualidade da pessoa que expressa sua relação de união, implicando no reconhecimento de direitos e deveres, nos termos da lei.

Fato é que o número de conviventes que procuraram cartórios para a formalização das suas uniões estáveis aumentou significativamente em 2021.

Segundo levantamento feito pelo Colégio Notarial do Brasil (CNB), entre janeiro e setembro de 2021, foram mais de 101 mil formalizações no país. Comparado ao mesmo período de 2020, esse número representa um crescimento na ordem de 14%, quando foram formalizadas 89 mil uniões.

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Paralelamente, o número de divórcios também aumentou, sendo certo que o país registrou 37 mil divórcios em 2021, o que corresponde a um aumento de 24%, quando comparado com o primeiro semestre de 2020.

Em relação ao aumento do número de formalizações de união estável, esse fato pode ser atribuído à facilidade trazida pela possibilidade de fazer o procedimento on-line (Provimento 100 do CNJ) e à necessidade de se assegurar o direito à pensão perante o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

Embora representativo, esse número é bastante pequeno diante da realidade brasileira, onde milhares de pessoas vivem em união estável de maneira informal, ou seja, sem documento escrito particular ou preparado por cartório.

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De acordo com a nossa legislação, a união estável é configurada pela convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituição de família, não havendo a necessidade de um contrato para comprovar a sua existência (CC, art. 1.723).

Desde 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) atribuiu à união homoafetiva os mesmos efeitos da união estável heteroafetiva. Nos dois casos, aplicam-se os deveres de lealdade, respeito, assistência e de guarda, sustento e educação dos filhos.

Regime de bens na união estável

Quanto ao regime de bens, conforme nossa legislação, na ausência de formalização da união entre os companheiros aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime legal da comunhão parcial de bens (CC, art. 1.725). Isso significa que os companheiros podem livremente estabelecer, desde que seja por escrito, regime diverso da comunhão parcial de bens.

Em alguns casos os companheiros convivem em união estável e após alguns anos, resolvem formalizar a união por escrito.

Alguns cuidados devem ser observados nesse momento. É essa a questão que procuramos abordar neste artigo.

Como ficam os bens adquiridos no período da união estável anterior à formalização

Situação bastante peculiar é a dos conviventes que viveram anos em união estável e em certo momento resolvem oficializar essa relação por escrito, reconhecendo-a para todos os efeitos legais.

A par das diversas razões que levam a essa tomada de decisão, o fato é que tal atitude pode trazer sérias implicações quanto aos bens adquiridos no período da união estável.

Se você se identifica com esse cenário, vale dedicar atenção às explicações que seguem!

Dois entendimentos

Há entendimento no sentido de ser possível a questão patrimonial retroagir no tempo, por conta da aplicação do princípio da autonomia da vontade, sendo que as partes podem livremente dispor a respeito do regime de bens que regerá a união estável. Além disso, em reforço a esse entendimento, para se declarar a nulidade dessa estipulação, se deve comprovar a existência de algum vício do negócio jurídico ou prejuízo a credores.

O entendimento contrário, no sentido de não se permitir que os efeitos patrimoniais possam retroagir, leva em consideração o fato de que o convivente que aceita essa disposição estaria sendo prejudicado por abrir mão de metade de seu patrimônio. Não raramente, constata-se que essa providência pode ser um artifício para que um dos companheiros, ciente de que a relação está próxima de ser extinta, tente afastar de eventual partilha os bens adquiridos com esforço comum.

Como a Justiça tem decidido

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento envolvendo questão semelhante, reconheceu a impossibilidade de se pretender dar eficácia retroativa a uma escritura pública firmada em 2015.

No caso concreto em questão, os conviventes iniciaram a relação em 1980 e lavravam uma primeira escritura de união estável em 2012, por meio da qual declararam apenas a sua existência, sem estabelecerem nada a respeito do regime de bens.

Posteriormente, em 2015, firmaram nova escritura pública de união estável, em ratificação à existência da união estável, no entanto, definiram que todos os bens e direitos adquiridos não se comunicariam entre os conviventes.

Para a Justiça, a formalização da união estável com adoção de regime diverso daquele previsto no Código Civil para os casos em que não há documento escrito (comunhão parcial de bens) equivale à alteração do regime de bens, produzindo efeitos apenas a partir da elaboração da escritura. Ou seja, sua eficácia não retroage.

Em outras palavras, considerando que a ausência de formalização (documento escrito), impõe a aplicação do regime da comunhão parcial de bens, não podem os companheiros, após anos de convivência, pretender alterar o regime legal, estabelecendo, por exemplo, que o regime que vigorou durante o período da união estável (sem documento escrito) era o da separação total de bens.

Segundo se entendeu, embora os companheiros possam dispor sobre o regime de bens que regulará a união estável, a Justiça poderá intervir na definição desse regime quando não houver disposição dos conviventes sobre o assunto, mediante documento escrito, donde se conclui que não é possível a celebração de escritura pública que pretenda modificar o regime legal de bens da união estável (o da comunhão parcial) com eficácia retroativa.

Concluímos esse artigo na esperança de que sirva de alerta para milhares de pessoas que vivem nessa situação e desconhecem os desdobramentos jurídicos da questão. A consulta a um profissional especializado na matéria que conte com a confiança dos conviventes pode trazer a solução para cada caso.

douglas
Douglas Ribas Jr.

*Douglas Ribas Jr. é graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1993 e pós-graduado em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Cursou Program of Instruction for Lawyers na University of California - Davis. Reconhecido entre os mais admirados advogados de 2015 e 2019 pelo anuário Análise Advocacia, atua em contencioso e consultoria, especialmente nas áreas do Direito Civil, Consumidor, Comercial, Contratos, Imobiliário, Trabalho e Societário.

@douglas_ribas_advogados

carlos alberto
Carlos Alberto Santana

*Carlos Alberto Santana é consultor da área cível do escritório Douglas Ribas Advogados Associados. Doutor e Mestre em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP/SP. Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. É Professor de Direito Processual Civil e de Direito Civil. Especialista em Direito Imobiliário e em Sistema Financeiro da Habitação. Escreve nas áreas de Direito Processual Civil e de Direito de Família. Advogado atuante nas áreas do Direito Público e do Direito Privado.

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