A infância não pode esperar: em defesa da adoção legal, segura e para sempre

Projeto de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados tem tirado o sono de pais e mães adotivos em todo o Brasil. Entidades dizem que criança não é objeto e pedem que infância seja respeitada nos processos de adoção

Ludmila de Moura* Publicado em 27/03/2021, às 00h00

Grupo de Apoio à Adoção de Peruíbe (SP) e Região – GAAPRE -

Você é a favor de que aquele menino acorrentado em um barril volte a conviver com sua família biológica? E uma criança que é violentada sexualmente pelo pai/padrasto ou é deixada sozinha de madrugada, suja e com fome?

Certamente que sua resposta é negativa! Mas infelizmente esta resposta não é unânime, nem todos pensam como você!

Refiro-me aqui ao Projeto de Lei 8.219/2014, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados (após ter passado pelo Senado Federal) que propõe alterações no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/1990), podendo aumentar o tempo que a criança fique abrigada ou que haja mais tentativas de volta à família biológica, demorando mais tempo para que seja colocada em família por adoção.

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Basta que os prazos do ECA sejam cumpridos e que o provimento 36 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) seja colocado em prática, criando as Varas de Infância e Juventude, com juízes e equipes preparados para lidar com o tema da infância.

Deve-se também cumprir a Constituição Federal, que em seu artigo 227 afirma que crianças e adolescentes devem ter prioridade na garantia de seus direitos.

Crianças não são objetos para ficarem sujeitas às idas e vindas conforme os desejos dos adultos, como em várias tentativas de retorno à família biológica, principalmente nos casos de serem vítimas de violência física/sexual, crueldade e negligências, que são os principais motivos de retiradas das crianças de suas famílias de origem.

Grupo de Apoio à Adoção de Peruíbe (SP) e Região – GAAPRE

Pesquisas apontam que quanto mais tempo as crianças ficam em abrigos, mais prejuízos vão ter em seu desenvolvimento bio-psico-sócio-emocional. A infância não pode esperar pela reestruturação de famílias que já foram avaliadas como inaptas pelas equipes técnicas dos abrigos e dos fóruns, para o exercício da parentalidade.

O ECA já determina o prazo de 120 dias (podendo ser prorrogado por mais 120) para que se busque a reinserção na família de origem ou em parentes consanguíneos, mas temos casos em que este prazo tem se estendido até 8 anos.

Temos que perguntar por que essa demora, então, nos processos de adoção?

Podemos pensar em vários motivos: a ausência de equipes técnicas ou equipes incompletas, que têm que atender a várias comarcas com mais de 200 km de distância entre elas; equívocos em ações que priorizam o biologismo e a heteronormatividade, quando temos tantas novas formas de famílias, como nos casos amplamente divulgados nas redes sociais como #ficavivi, #ficaaurora.

Esse PL também aponta preconceitos contra a adoção. O ECA já afirma que se deve priorizar a família biológica, o que quer dizer manter políticas públicas que deem condição para as famílias criarem seus filhos. Não pode ser entendida como hierarquia em que famílias por adoção sejam consideradas menos importantes que famílias biológicas.

O uso do termo “família substituta” presente no ECA pode dar a entender que a família por adoção é de segunda categoria. Não somos substitutas, mas uma nova família que se forma pelo amor, pelo desejo da maternidade/paternidade responsável. E pelo direito da criança/adolescente fazer parte de uma família que a ame, cuide e respeite.

Sim, no mundo ideal as crianças permaneceriam com suas famílias de origem, mas infelizmente essa não é a nossa realidade: a pobreza, o alcoolismo e o uso de drogas acabam por desestruturar muitas famílias atualmente. Esses problemas precisam ser resolvidos por políticas públicas.

É fundamental que o ECA seja estudado também por políticos, além de serem inseridos nos currículos dos cursos de Direito, Psicologia e Serviço Social.

Junto com a ANGAAD, AGAAESP, INACF, IBDFAM e todos os mais de 200 grupos de apoio à adoção do Brasil defendemos a adoção legal, segura e para sempre.

E a adoção deve ser o caminho mais breve para que as crianças/adolescentes tenham a chance de reescrever sua história com um final feliz. Elas não podem esperar mais tempo.

*Ludmila de Moura, psicóloga judiciária, Drª em Ciências da Saúde, mãe por adoção, fundadora e coordenadora do Grupo de Apoio à Adoção de Peruíbe e Região – GAAPRE.

Assista ao programa do Papo de Mãe sobre adoção:

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