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Leite materno e leite de vaca modificado

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O pediatra Moises Chencinski defende que os substitutos de leite materno devem ser prescritos e receitados por médicos e nutricionistas

Dr. Moises Chencinski* Publicado em 06/09/2021, às 12h25

Quando o leite materno não está disponibilizado por qualquer razão, e só nessa situação, pode-se oferecer o produto da indústria.
Quando o leite materno não está disponibilizado por qualquer razão, e só nessa situação, pode-se oferecer o produto da indústria.

- Cigarro causa doenças em quem fuma e no planeta.

- Excesso de calorias causa sobrepeso e aumenta riscos de doenças crônicas não transmissíveis (diabetes, hipertensão, problemas de colesterol, triglicérides)

- Alimentos ultraprocessados (açúcares, óleos modificados, corantes) prejudicam a saúde.

- Consumo de álcool pode causar insônia, impotência, gastrite, câncer, problemas cardiovasculares, entre outros.

Ninguém questiona esses fatos científicos. Eles são derivados de estudos mundiais. E essas informações embasam leis, restrições à fabricação, ao marketing, às vendas e ao consumo de determinados produtos

Nos maços de cigarros, a face posterior tem sempre, obrigatoriamente, uma imagem e um texto se referindo ao produto que, apesar disso, é muito consumido.

Fumar causa infarto do coração ou impotência sexual ou câncer de laringe. Fumar na gravidez prejudica o bebê. E vem descrito que NÃO EXISTEM NÍVEIS SEGUROS DO CONSUMO DESSES PRODUTOS.

As indústrias são obrigadas a cumprir essa determinação e essas notificações estão presentes em todos os pacotes vendidos no Brasil. Muitas vezes, a indústria e algumas instituições (relacionadas aos produtos citados e a outros que podem prejudicar a saúde) tentam colocar entraves nessas decisões, mas sempre por sentirem no bolso as suas consequências.

E, apesar de todas essas informações bem divulgadas, ainda assim, essas empresas apresentam balanços financeiros com lucros crescentes, porque consumidores são convencidos ao seu uso.

Crianças são consumidoras. Grandes consumidoras de produtos e serviços. E as indústrias sabem disso. Muitas vezes criam dificuldades para venderem facilidades. E conseguem, às custas de um marketing agressivo, estudado, através de interpretações ou brechas das leis que permitem, por pouco ou muito tempo, enquanto não há contestação, essa divulgação.

DHA, ARA, HMO, GOS, FOS – tem tudo isso no substituto do leite materno (fórmulas infantis). E se formos pesquisar nos ultraprocessados (compostos lácteos) ainda podemos encontrar também Cálcio, Ferro, Zinco, Vitaminas A, B2, B12, B5, E, K, C e D. Será que o consumidor (ou quem compra esses produtos) sabe o que são todos esses “ingredientes mágicos”?

Sabe quem tem tudo isso, de forma natural, e muito mais (cerca de 1.000 ingredientes conhecidos por enquanto), na proporção mais adequada para cada criança, personalizado e individualizado? O Leite de Mãe. O leite materno.

Será que os consumidores sabem que todas as fórmulas infantis e compostos lácteos têm sua base no leite de vaca (exceto os que têm base vegetal – soja, arroz, etc)? Sim. É o leite de vaca modificado pela indústria para se adequar a um produto que possa ser oferecido às crianças como um substituto do leite de mãe, isso, o leite materno, quando esse não está disponível, por qualquer razão.

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Mas a indústria ainda cria alguns produtos para algumas situações específicas. Crianças com APLV (alergia à proteína do leite de vaca). Segundo todas as orientações médicas, em estudos baseados em evidências, o “tratamento” para APLV continua sendo o Leite de Mãe, sendo que ela só precisa retirar leites e derivados de sua alimentação. Quando o leite materno não está disponibilizado por qualquer razão, e só nessa situação, na intenção do consumo do leite, pode-se oferecer o produto da indústria.

Isso mostra que os produtos fabricados artificialmente pelas indústrias têm sua indicação. E são importantes e específicos. São substitutos do leite materno. São praticamente medicamentos, que deveriam ser prescritos e receitados apenas por profissionais habilitados e que conhecem profundamente sua composição, indicação e contraindicações. Nesse caso? Pediatras e nutricionistas.

A partir de outubro de 2010, para que se compre um antibiótico, medicamento fundamental para tratamentos de infecções bacterianas, foi elaborada a RESOLUÇÃO-RDC Nº 44, DE 26 DE OUTUBRO DE 2010 que criou as seguintes resoluções, publicadas no Portal do Conselho Federal de Medicina que valem até hoje:

- Os antibióticos só poderão ser vendidos em farmácias e drogarias do país mediante apresentação da receita de controle especial em duas vias pelo consumidor.

- A primeira via da receita ficará retida na farmácia, e a segunda deverá ser devolvida ao paciente carimbada para comprovar o atendimento.

- As receitas também terão um novo prazo de validade (10 dias), devido às especificidades dos mecanismos de ação dos antimicrobianos.

- O médico deve estar atento à necessidade de entregar de forma legível e sem rasuras duas vias do receituário aos pacientes contendo as seguintes informações:

I - nome do medicamento ou da substância prescrita sob a forma de Denominação Comum Brasileira (DCB), dosagem ou concentração, forma farmacêutica, quantidade (em algarismos arábicos e por extenso) e posologia;

II - identificação do emitente: nome do profissional com sua inscrição no Conselho Regional ou nome da instituição, endereço completo, telefone, assinatura e marcação gráfica (carimbo);

III - identificação do usuário: nome completo;

IV - identificação do comprador: nome completo, número do documento oficial de identificação, endereço completo e telefone (se houver);

V - data da emissão;

VI - identificação do registro de dispensação: anotação da data, quantidade aviada e número do lote, no verso.

- Quem não obedecer à nova legislação poderá pagar multa de até R$ 1,5 milhão.

- O telefone da Anvisa para fazer denúncias de estabelecimentos que não estejam cumprindo a lei é o 0800 642 97 82.

Se essa RDC foi elaborada para a regulamentação de venda de antibióticos, produtos criados pela indústria, por que não fazer o mesmo com o substituto de leite materno, também produzido por outro ramo da indústria?

Pela importância e relevância da prescrição adequada de substitutos de leite materno, pela sua comercialização ética, seu consumo seguro e prevenção dos riscos à saúde infantil, já seria a hora de se legislar sobre esse produto também. Ou além da indústria, alguém mais acha que não?

Dr.  Moises Chencinski , pediatra e homeopata.

Presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo (2016 / 2019 – 2019 / 2021).
Membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (2016 / 2019 – 2019 / 2021).
Autor dos livros HOMEOPATIA mais simples que parece, GERAR E NASCER um canto de amor e aconchego, É MAMÍFERO QUE FALA, NÉ? e Dicionário Amamentês-Português
Editor do Blog Pediatra Orienta da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
Criador do Movimento Eu Apoio leite Materno.

Assista ao Papo de Mãe sobre rede de apoio à amamentação.

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